Ilustração: Intercept Brasil; Getty Images
PEDIR O CPF é coisa do passado. A onda das grandes redes de drogarias é, agora, pedir para os clientes cadastrarem suas digitais. O grupo Raia Drogasil – dono, como o nome sugere, das redes Droga Raia e Drogasil – começou uma agressiva campanha para conseguir a biometria de seus clientes. “É em atendimento à Lei Geral de Proteção de Dados”, argumenta falsamente a rede, em discurso replicado pelos atendentes.
Assim, além do seu CPF – usado para conseguir descontos em medicamentos –, elas terão, vinculado ao seu histórico de compras, também um dado biométrico.
A pesquisadora de direito e tecnologia Mariana Valente foi a uma unidade da Droga Raia, em São Paulo, e ouviu do vendedor que a digital era pedida “só para atendimento do convênio”. Quando tuitou sobre o caso, a Droga Raia respondeu para ela que a digital era “necessária” por causa das “adequações da Nova Lei Geral de Proteção de Dados”.
“Dói um tanto nos ouvidos, porque vai no sentido totalmente contrário da LGPD, que prevê minimização da coleta de dados”, escreveu Valente, que é diretora do InternetLab. “É um grande desserviço, além de todo o resto”. A LGPD prevê que um dado só pode ser coletado ou tratado para o fim pelo qual ele foi coletado, e o cidadão deve ter consentimento sobre todos os usos de suas informações pessoais.
Assim como o rosto de alguém ou o DNA, as digitais são consideradas dados sensíveis, ou seja, que podem levar à discriminação de uma pessoa. Uma digital nunca vai mudar – ela sempre vai estar vinculada a uma pessoa. Por isso, as regras são mais rígidas quando se trata de dados sensíveis. Suas digitais e outros dados do tipo só podem, em tese, ser coletados, processados e armazenados em caso de real necessidade. Qual é a real necessidade de se coletar uma biometria para conseguir um desconto?
Para a Droga Raia, cadastrar a digital do cliente é uma forma de “obter o consentimento dele” sobre o uso de suas informações. Segundo a assessoria de imprensa da empresa, a escolha pelo método se deve ao fato de ser um “meio altamente seguro” para validar a identidade do titular dos dados pessoais. Ela se baseia nos trechos da LGPD que exigem consentimento das pessoas e segurança dos dados – como se a coleta de mais uma informação sensível desse segurança aos clientes. Assim, usam a LGPD para garantir mais um dado sensível sob poder da empresa, para fins que podem ir muito além do descontinho no caixa.
“Dados pessoais sobre consumo de medicamentos e outros itens vendidos em farmácias indicam informações importantes sobre a condição de saúde do usuário, por exemplo, que têm doenças crônicas. Quanto mais dados se coleta, mais é possível se formar um perfil sobre a pessoa, o que pode ter consequências sobre o preço que ela vai pagar ou mesmo permitir que aquela e outras empresas empreguem estratégias de marketing direcionadas”, me disse Matheus Falcão, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, o Idec. A entidade notificou a rede Raia Drogasil pedindo explicações sobre a finalidade de coleta de biometria.
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