O sol ainda não havia despontado no céu de São Lourenço do Sul, mas Lizimeri Weber já estava agachada em meio a milhares de pés de fumo na lavoura de tabaco que mantém com o marido há quase duas décadas. Na época da safra, sua rotina começa às 5h e segue até as 22h. “Inclusive sábado, domingo e feriado”, conta, lamentando o pouco tempo que lhe sobra para ouvir as notícias no rádio. Nos intervalos da lavoura, ela prepara o almoço, faz pão, lava e cuida das roupas da família e da casa e alimenta os cães.
Durante a noite, seu marido Luiz ainda vai precisar acordar a cada duas ou três horas para checar se a lenha que abastece as estufas de secagem está na temperatura correta.
Assim como vários fumicultores do sul do Brasil, os Weber trabalham para a China Brasil Tabacos, o braço local da maior companhia de tabaco do planeta, a China National Tobacco Corporation. É a folha do tipo Virgínia, que cresce principalmente em lavouras do Rio Grande do Sul, que dá aroma e sabor aos cigarros produzidos pela estatal chinesa e abastece o maior mercado consumidor do mundo
A indústria de tabaco é uma importante contribuinte do caixa público no país oriental. Como signatária da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde, a China se comprometeu a encontrar fontes alternativas de renda para os produtores. Mas como a quantidade de terra cultivada com tabaco diminuiu em casa, a empresa tem procurado outros países para suprir o déficit, levantando questões sobre o compromisso da China com a convenção. O Brasil é um desses lugares. Em abril deste ano, a empresa declarou um lucro de R$ 97,5 milhões em solo brasileiro – o dobro do ano passado.
Do lado de cá do planeta, os agricultores contratados pela empresa estão imersos em um sistema de exploração, dívidas, miséria, doenças, depressão e suicídios. “O cara, no fim, é quase escravo, né?”, me disse Edelberto Bersch, que luta para saldar uma conta feita anos atrás com outra empresa da indústria de tabaco.
Embora seja parte da maior companhia fumageira do mundo e uma das maiores do Brasil em volume de produção e agricultores contratados, a China Tabacos, como é conhecida nas lavouras, opera praticamente fora do radar das autoridades nacionais. Tem apenas quatro autuações registradas no Ministério da Economia por infrações trabalhistas, todas em 2014, ano que a empresa firmou uma joint venture para operar no país. Neste período, a concorrente Philip Morris acumulou 34 autuações – e a Souza Cruz, 23.
Entidades que monitoram a indústria do fumo no Brasil também têm pouca informação sobre a companhia. No Observatório sobre as Estratégias da Indústria do Tabaco, entre os milhares de documentos sobre as empresas que operam no Brasil, apenas 15 mencionam a subsidiária chinesa. Quase todos são reproduções de notícias sobre a fumageira.
Ser invisível é também uma das marcas da empresa mãe da China Brasil Tabacos, a China National Tobacco Corporation. Embora o conglomerado seja muito mais lucrativo do que qualquer um de seus concorrentes e produza um terço dos cigarros do mundo, a estatal não integra a lista das Big Tobacco, um clube informal em que participam British America Tobacco (no Brasil, Souza Cruz), Philip Morris, JTI e Imperial Tobacco – e sobre as quais os olhos do mundo são direcionados quando o assunto é tabagismo.
“Dizer que uma é melhor que a outra não dá, porque todas são iguais. No fim, todas puxam junto”, alerta Edelberto Bersch. Debaixo da estufa à lenha que precisou reativar para dar conta de secar todo o volume de fumo que colheu nos primeiros dias de 2021, Bersch não sabe que a frase que soa como senso comum é, no caso da China Brasil Tabacos, uma verdade incontestável.
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