terça-feira, 27 de julho de 2021

BOLSONARO VAI PAGAR US$ 2 A MAIS POR DOSE DA VACINA SPUTNIK V A FARMACÊUTICA LIGADA AO CENTRÃO Estados encomendaram o imunizante direto da Rússia, mas Ministério da Saúde preferiu pagar mais para a União Química, que tem Ricardo Barros como lobista.

O GOVERNO JAIR BOLSONARO vai pagar dois dólares mais caro – ou 20% mais – que governos estaduais pela vacina Sputnik V por ter escolhido fazer o negócio usando a União Química como intermediária. A farmacêutica com sede no Distrito Federal pertence a um empresário que já doou dinheiro a um partido do Centrão, o PSD; tem um ex-deputado do Centrão como diretor; e conta com o lobby do líder de Bolsonaro na Câmara e ex-ministro da saúde, o deputado federal do Centrão Ricardo Barros, do PP do Paraná.


Cada uma das 10 milhões de doses contratadas pelo Ministério da Saúde custará o equivalente a 11,95 dólares. Já os governos estaduais irão pagar 9,95 dólares a dose. O prejuízo monumental só ainda não se concretizou graças à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, que levantou dúvidas razoáveis sobre a segurança da Sputnik V.


O contrato para a compra de 10 milhões de doses da Sputnik V por R$ 693,6 milhões foi assinado entre o então diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, e a União Química em 12 de março. Naquela sexta-feira, o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello ainda comandava a pasta – na segunda-feira seguinte, Marcelo Queiroga seria anunciado no cargo. Feito o câmbio de dólar para real, o negócio sairá R$ 120 milhões mais caro do que se o governo tivesse imitado os estados, que trataram diretamente com a empresa russa que representa o Instituto Gamaleya, desenvolvedor da Sputnik.


Uma lei sancionada pelo próprio Bolsonaro em 10 de março – ou seja, dois dias antes do martelo ser batido com a União Química – permite a importação direta de vacinas contra a covid-19. Graças a ela, os governos de Bahia e Mato Grosso encomendaram vacinas diretamente do Fundo Russo de Investimento Direto. Fazendo isso, irão pagar 9,95 dólares a dose, segundo os contratos sigilosos recebidos pela CPI da Covid e analisados pelo Intercept.


Pelo câmbio de 31 de março, data da assinatura do contrato pelo governo matogrossense, cada dose sairia a R$ 56,02. O contrato entre o governo Bolsonaro e a União Química estabelece o preço de R$ 69,36 por dose – a partir do custo de 11,95 dólares a dose e com a moeda cotada em R$ 5,80, segundo a própria farmacêutica.


Questionada a respeito da discrepância de valores, a empresa nos respondeu que “o preço ofertado, [de] cerca de 11,95 dólares por dose, incluiu o risco de variação cambial por parte da União Química, frete sob condição de refrigeração até o Brasil, despesas de importação, custos de carta de crédito em favor do Fundo Russo, etiquetagem em português e farmacovigilância”.

Diz, ainda, que a comparação com o valor pago pelos governos estaduais “não é válida” e que “o preço de 9,95 dólares por dose é o padrão da vacina Sputnik V, considerando que a venda se dá na Rússia e todos os custos de transporte, seguro, importação, carta de crédito, farmacovigilância serão absorvidos pelos estados”.

“Com todos os custos envolvidos, a margem [de lucro] da União Química está em torno de 5%, [com a empresa] ficando com todos os riscos que envolvem o transporte de um produto biológico a 18 graus negativos”, argumenta ainda a farmacêutica, quase que se lamentando por ter feito o negócio.

Não é bem assim. Recebemos de uma fonte orçamentos para transporte das 1,15 milhão de doses da vacina Spunitk V da Rússia para o Brasil – trata-se da quantidade cuja importação pelo consórcio de estados do Nordeste foi autorizada pela Anvisa. O mais barato deles cobra 53 centavos de euro por dose – ou 0,63 dólares. O mais caro, 89 centavos de euro – ou 1,05 dólares. Importante: os preços por dose ficam mais baixos quanto maior for o número de vacinas a serem transportadas. Com uma encomenda de 10 milhões de doses, é provável que a União Química conseguisse valores ainda menores.

Um outro orçamento, de uma empresa estatal, trata dos serviços de farmacoviligância e atendimento telefônico a quem tomar as vacinas Spunitk compradas pelo consórcio Nordeste. Os dois serviços custam, juntos, R$ 0,18. A mesma empresa diz ser capaz de cobrar R$ 63 mil para dar conta do processo regulatório para nacionalização e liberação do uso e desenvolvimento técnico de bulas e material informativo em português. Os preços se referem às mesmas 1,15 milhão de doses de Sputnik.

 

CustosMinistério da Saúde via União QuímicaCompra direta do consórcio Nordeste
Doses10.000.0001.145.000
Preço por doseUS$ 11,95*US$ 9,95
Frete por doseUS$ 0,63 **
FarmacovigilânciaUS$ 0,04***
Importação etc.US$ 0,01****
Custo totalUS$ 11,95US$ 10,63
* Segundo a União Química, inclui custos de transporte, seguro, importação, carta de crédito e farmacovigilância. 
** Consideramos o menor orçamento apresentado ao consórcio Nordeste, de 0,53 euros, considerando que 1 euro = 1,19 dólares.
*** R$ 0,18, considerando que R$ 5 = 1 dólar.
**** R$ 63 mil para todo o lote de 1,15 milhão de vacinas, considerando que R$ 5 = 1 dólar.

 Considerando os valores dos orçamentos, todos esses serviços não acrescentam um dólar ao custo final de cada dose da Sputnik V comprada por 9,95 dólares. Falta a União Química e o governo Bolsonaro explicarem a razão do outro dólar adicional do negócio fechado entre eles a 11,95 dólares por dose de vacina.


Caberá à CPI da Covid, que tem em mãos os contratos do Ministério da Saúde e dos estados para a compra da Sputnik V, apurar se as justificativas apresentadas pela União Química para cobrar 20% a mais por dose num contrato de venda de 10 milhões de unidades são razoáveis.


O contrato com o Ministério da Saúde abre a possibilidade de que a vacina vendida pela União Química seja importada ou produzida no Brasil, apesar da pasta sempre anunciar que as doses viriam da Rússia. A produção local do imunizante pela farmacêutica ainda é um sonho distante para uma empresa que sequer conseguiu uma autorização da Anvisa para que a Sputnik V seja usada emergencialmente ou sequer produzida por aqui.


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