sexta-feira, 27 de novembro de 2020

‘Fui impedida de votar por ser cadeirante’: sem conseguir acessar a urna, eleitora é obrigada a justificar o voto

 


APÓS UMA REPORTAGEM mostrar que 36% dos locais de votação no Rio Grande do Sul não tinham condições de acessibilidade para eleitores com dificuldade de locomoção, a Ordem dos Advogados no estado, a OAB-RS, pediu ao Tribunal Regional Eleitoral gaúcho tomasse medidas para reverter esse quadro, com a instalação de rampas e elevadores. O objetivo era assegurar que todos pudessem votar já que há mais de 26,000 eleitores com deficiência no estado. Algumas dessas exigências constam em uma resolução do próprio TSE, de 2012. O alerta da OAB, porém, não foi suficiente.


Neste depoimento ao Intercept, a gaúcha Gabriela Silva, 38 anos, relata como foi impedida de votar no  primeiro turno das eleições municipais em Porto Alegre ao ter sua seção eleitoral trocada para o segundo andar de um prédio sem acessibilidade. Segundo o TRE-RS, não constava a necessidade especial no cadastro de Gabriela. Detalhe: Gabriela vota há 20 anos no mesmo local e nasceu com dificuldades de locomoção.


A eleitora foi orientada a justificar seu voto. O Tribunal também lhe disse para repetir o procedimento no segundo turno, o que obrigará Gabriela a se deslocar novamente até a seção para justificar a abstenção. “Mesmo em uma eleição, a acessibilidade não é prioridade. Até o processo eleitoral é pensado e feito em cima de uma normatividade do corpo”, desabafa Gabriela. No Brasil, são 12,5 milhões de pessoas com deficiência, um total de 6,7% da população. O número cresce para quase um quarto da população brasileira, cerca de 46 milhões, se consideradas pessoas com algum grau de dificuldade para enxergar, ouvir, caminhar ou subir e descer degraus, conforme dados do IBGE.

Segundo o advogado Francisco Telles, vice-presidente da Comissão Especial de Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB-RS, o Tribunal deveria assegurar em caráter de urgência o direito ao voto de Gabriela para o segundo turno. “Me custa a crer que seja tão difícil retorná-la para uma seção térrea”, disse Telles. “Há uma barreira quase intransponível que afasta as pessoas com deficiência não só do processo político como também do processo eleitoral, o que é inadmissível e viola convenções da ONU que o Brasil é signatário e tem status constitucional”, alerta o advogado.

Após o contato do Intercept na quinta-feira, 19 de novembro, o juízo eleitoral passou a verificar junto à escola onde Gabriela vota a possibilidade da instalação no térreo da sua seção. Nesta quarta-feira, 25, o TRE-RS confirmou que a mudança será feita para que Gabriela exerça seu direito.


NA SEXTA-FEIRA anterior às eleições de domingo, sem conseguir acessar o E-título, entrei no site do Tribunal para checar minha seção e vi que ela havia sido trocada. A vida toda, desde meu registro como eleitora em 2000, votei sempre no mesmo lugar: no térreo da Escola João Antônio Satte, bairro Rubem Berta, zona norte de Porto Alegre. Achei esquisita a troca apesar de continuar no mesmo prédio, mas imaginei que poderia ter sido algum tipo de mudança qualquer.


No domingo, saí de casa por volta das 11h. Moro a cerca de 20 minutos da escola, e minha vizinha me levou. Não tenho uma cadeira de rodas motorizada, então ela me levou manualmente mesmo, empurrando. É um trajeto que a gente faz andando quase no meio da rua, na margem do asfalto e evitando os carros, já que as calçadas de Porto Alegre são terríveis.

Quando chegamos no colégio, descobri que essa seção nova havia sido movida para o segundo andar da escola – e não havia nenhum recurso de acessibilidade que me permitisse subir até lá. Sem conseguir chegar até a urna, fui orientada a ir até à seção especial que havia nesse mesmo colégio, no térreo, onde a presidenta da mesa entrou em contato com o TRE. Essa seção é específica para pessoas com dificuldade de locomoção e descobri no dia que eu não estava cadastrada para votar ali.


Gabriela Silva nasceu com deficiência e usa cadeira de rodas para se locomover, mas essa informação não foi registrada pelo TRE em 2000, quando a eleitora fez seu título. Foto: Arquivo pessoal/Gabriela Silva

Esperamos cerca de 20 minutos até essa presidenta da mesa ter uma resposta: ela me explicou que eu não poderia votar. Disse que, segundo o TRE, eu precisaria justificar e não votaria nem no primeiro turno, nem no segundo. Falaram que transferiram minha seção porque, no meu cadastro eleitoral, não diz que sou PCD e que, quando fiz meu título, em 2000, essa informação não era solicitada no cadastro. Perguntei, então, como é que seria no segundo turno e fui informada que eu teria de ir ao colégio de novo para justificar presencialmente, já que o E-título faz isso apenas pela localização do aparelho, em caso da pessoa estar fora de seu domicílio eleitoral.

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