OS PARTIDOS POLÍTICOS são o principal entrave à eleição de candidatos negros, afirmam os cientistas políticos Luiz Augusto Campos e Carlos Machado, que há cinco anos se debruçam sobre a relação entre raça e o sistema político e eleitoral brasileiro. E é sobre os partidos que há – e deve haver – pressão social para que surjam mudanças.
O resultado das pesquisas está compilado em “Raça e eleições no Brasil”, da editora Zouk, anunciado como a primeira obra no país a se dedicar exclusivamente ao assunto e já em pré-venda. Sobre os achados das pesquisas que resultaram no livro, Campos e Machado conversaram com o Intercept às vésperas da eleição municipal.
É nas eleições proporcionais, como as de vereadores, que está o foco da pesquisa. “A lógica aí é meio parecida à desses esquemas de pirâmide. A base empurra o topo, mas, na verdade, não tem nenhuma chance de se eleger”, Campos compara. “No sistema proporcional, uma candidatura tem que ter uma quantidade muito expressiva de votos para se eleger. E, para isso, tem que acumular uma série de recursos dos mais diversos.”
O que são eleições proporcionais?
As eleições proporcionais são usadas no Brasil para eleger vereadores e deputados estaduais, distritais e federais. A definição dos eleitos depende de um número chamado de quociente eleitoral, que é a divisão dos votos válidos pelo número de cadeiras em disputa no Poder Legislativo. É a partir do quociente eleitoral, e não necessariamente dos votos de um candidato, que se definem os eleitos. Este vídeo do G1 ajuda a entender melhor.
Recursos, aí, incluem dinheiro para campanha, acesso ao tempo na propaganda de televisão ou até mesmo segurança pessoal. Assim, pouco adianta que a maioria dos candidatos seja negra, como ocorreu pela primeira vez em 2020. Eles provavelmente serão a minoria entre os eleitos.
“Um número muito limitado de candidatos concentra a oportunidade de aparecer ao eleitor, seja em horário de televisão, santinho ou mesmo de circular no espaço urbano onde as eleições vão acontecer. Essa disputa profundamente desigual reflete desigualdades sociológicas entre brancos e negros”, Campos explica. As elites partidárias são, quase sempre, brancas – e são elas que controlam, no Brasil, a definição das candidaturas e a distribuição dos recursos para as campanhas.
A desigualdade é tão explícita que o Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, responsável por definir as regras para as eleições no Brasil, resolveu obrigar os partidos a dividirem o dinheiro do fundo eleitoral (que financia as campanhas políticas) de maneira proporcional à quantidade de candidatos brancos e não-brancos.
Para os cientistas, é um primeiro passo, mas “enquanto a gente não falar em cota nas listas partidárias [de candidatos], não vamos conseguir garantir que partidos grandes, em pleitos específicos, lancem candidatos [não brancos]”, avalia Campos.
Livro é tido como o primeiro no país a tratar exclusivamente do tema.
“O estado brasileiro é gerido por uma representação política composta basicamente por homens brancos, e produz políticas públicas que atuam, para o bem e para o mal, sobre a população negra. É ela o principal alvo do braço repressivo do estado. Então temos uma espécie de democracia que funciona de uma maneira racializada e invertida, com homens brancos discutindo, debatendo e produzindo serviços e repressão para homens negros e mulheres negras”, ele afirma.
“Não há nenhuma garantia de que os representantes eleitos irão espelhar o que é a sociedade. Isso demanda um componente, que eu tendo a ver como mais democrático, que é pressão popular para que isso ocorra. O processo que temos visto nos últimos anos, a luta dos movimentos sociais, do movimento negro, para cobrar uma maior presença de candidaturas negras, de financiamento [para elas], isso tudo diz respeito a esse processo. O aspecto democrático decorre disso, não da simples realização das eleições, que escondem várias desigualdades”, diz Machado.
Luiz Augusto Campos é professor de sociologia e ciência política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde também coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, o Gemaa.
Carlos Machado é professor de Ciência Política no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde coordena o projeto de extensão Ubuntu: Frente Negra de Ciência Política e o Núcleo de Pesquisa Flora Tristán: representações, conflitos e direitos.
Leia os principais trechos da entrevista.
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