Além das praias icônicas, Santa Mônica, na Califórnia, e Kona, no Havaí, têm algo em comum: foram os cenários escolhidos para sediar eventos de uma organização chamada Global Antitrust Institute, ligada à universidade americana George Mason. Foi nessas praias que, em 2018 e 2019, conselheiros e servidores do Cade, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, se reuniram junto de outras autoridades globais da área para eventos educacionais com o objetivo de “construir um entendimento das fundações econômicas de leis antitruste e de competição”, segundo um dos programas do evento.
A então conselheira do Cade Polyanna Vilanova foi uma das escaladas para a viagem a Santa Mônica. Ela ficou seis dias no evento, em junho de 2018. O que não saiu na agenda oficial, porém, é que o GAI (como é conhecido o instituto) é, em grande parte, financiado por gigantes da tecnologia – incluindo Google, Amazon e Qualcomm. E que o Google tinha, na época, pelo menos três processos sendo julgados pelo Cade, órgão federal responsável por regular a livre concorrência no Brasil. Em dois casos, houve participação direta de Vilanova. Todos foram arquivados pelo conselho em junho de 2019, livrando a empresa de multa no valor de mais de R$ 31 milhões, e um segue em investigação.
No ano passado, a cena se repetiu. Outros quatro servidores do Cade receberam convites do GAI – desta vez, para viajar a Kona, no Havaí, entre os dias 8 e 13 de setembro, ao mesmo Competition Enforcement. Foram 10 dias de afastamento.
O evento foi aberto por Joshua D. Wright, diretor executivo do GAI e professor da Universidade George Mason, que falou sobre “o jeito econômico de se pensar”. Além de professor universitário, Wright é, também, uma das principais vozes na área do direito de livre concorrência (antitruste) a defender a mínima intervenção de autoridades regulatórias.
Ele é autor de pelo menos quatro publicações acadêmicas que apoiam o posicionamento do Google – incluindo casos em que a empresa se livrou da acusação de favorecer seus próprios sites nos resultados de busca. Para Wright, a prática era um tipo de defesa em um ambiente altamente competitivo. O professor também já escreveu que uma grande concentração na indústria simplesmente não significa falta de competição – caso do Google, que domina 92% do mercado de buscas na internet. Wright já disse que fusões são boas para os consumidores porque baixam os preços e melhoram a qualidade dos produtos.
Há um conflito ético nas análises de Wright. Os institutos de pesquisa onde ele trabalha e publica seus artigos receberam muito dinheiro do próprio Google. A empresa foi uma das responsáveis por financiar o Centro de Direito e Economia da Universidade George Mason, com doações que chegaram aos US$ 726 mil (cerca de R$ 4 milhões, na cotação atual) entre 2011 e 2013. Naquele ano, ele foi nomeado pelo partido Republicano conselheiro ao FTC, a Federal Trade Commission – equivalente ao Cade nos EUA –, mas se absteve de atuar em casos envolvendo o Google por dois anos devido ao evidente conflito de interesses. No FTC, ele foi um dos responsáveis por fazer a transição para a chegada de Donald Trump.
Além de abrir o evento do GAI em Kona, ele participou ou teve suas obras mencionadas em ao menos seis mesas. Os resultados obtidos com a viagem, relatou Bráulio Cavalcanti Ferreira, coordenador de análise antitruste 1 do Cade, foram “maior conhecimento da área com base nas aulas, troca de experiência sobre antitruste com as diversas autoridades que estiveram presentes; e networking com os professores e as autoridades”.
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