NÍVEIS ELEVADOS DE um composto perfluorado do tipo PFAS, mesma classe que inclui componentes tóxicos utilizados em panelas antiaderentes, foram associados a formas mais graves de covid-19, de acordo com um estudo dinamarquês em processo de revisão por pares. A pesquisa, que envolveu 323 pacientes infectados pelo coronavírus, demonstrou que aqueles com níveis elevados de uma substância denominada PFBA tinham possibilidade duas vezes maior de desenvolver uma forma grave da doença.
O PFBA pertence a uma classe de compostos industriais frequentemente chamados de “substâncias permanentes”, que vem contaminando o solo, a água e os alimentos em todo o mundo. Ele foi introduzido como relativamente seguro, porque permanece no sangue humano por muito menos tempo que alguns outros compostos da classe, e é uma molécula mais curta. Ambas as características são consideradas indicativos de inocuidade. O PFBA, criado pela 3M, se baseia numa cadeia de quatro átomos de carbono, e desaparece da circulação sanguínea em questão de dias. Ele permanece em uso, enquanto o PFOA, que é baseado numa cadeia de oito átomos de carbono e permanece no sangue por anos, está em desuso desde 2015.
Embora o PFBA saia relativamente rápido da corrente sanguínea, ele se acumula nos pulmões, o que pode explicar os resultados do estudo dinamarquês. “É provavelmente o que está nos pulmões que conta, porque é ali que se desenrola a grande batalha da covid”, diz Philippe Grandjean, o autor principal do trabalho. O estudo de Grandjean envolveu 323 pacientes com covid-19, dos quais 215 foram hospitalizados. Os pesquisadores analisaram amostras de sangue desses pacientes em busca de cinco compostos PFAS, e descobriram que apenas o ácido perfluorobutanoico, o PFBA, estava associado à gravidade da doença. Mais da metade daqueles que ficaram em estado grave com a covid-19 tinham níveis elevados de PFBA no plasma, enquanto menos de 20% daqueles com formas leves tinham níveis elevados da substância.
O CDC, Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, não inclui o PFBA em seu rastreio dos níveis sanguíneos de diversos compostos PFAS. É claro, porém, que a substância está bastante disseminada e especialmente concentrada em certas áreas. Uma pesquisa conduzida pela 3M em 2005 mostrou que 20 a 36% das amostras de sangue coletadas da população em geral continham PFBA. Pesquisas mais recentes do Departamento de Saúde de Minnesota mostraram que os níveis do composto estavam elevados na zona leste da região metropolitana, próxima a uma instalação da 3M no subúrbio da conurbação Minneapolis-St. Paul. A substância também já foi encontrada em outras partes do mundo, incluindo Vietnã, Jordânia, Tailândia e Japão. O PFBA foi encontrado ainda no Rio Tennessee, perto de uma instalação da 3M em Decatur, no Alabama, e nos arredores de uma instalação da 3M em Cordova, no Illinois. Além disso, foi encontrado em alimentos, incluindo rabanete, ervilha, tomate e alface.
O PFBA é usado em produtos eletrônicos; vestuário, inclusive abrigos à prova d’água; equipamentos de proteção para profissionais de saúde e bombeiros, como aventais cirúrgicos; espuma de combate a incêndios; tapetes; cera de piso; equipamentos de laboratório; tratamento de couro; embalagens de produtos alimentícios; cosméticos, incluindo hidratantes e bases, corretivos, sombras de olhos e pó; e lubrificantes para bicicletas, de acordo com um artigo publicado recentemente sobre os usos até então desconhecidos dessas substâncias.
Segundo o Departamento de Saúde do Estado de Minnesota, que estabeleceu um limite de segurança para a substância, o PFBA causa alterações no fígado e na tireoide, bem como redução das células vermelhas do sangue, redução de colesterol, e retardo na abertura dos olhos em experimentos com animais. Um departamento da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, chamado Sistema Integrado de Informação de Risco, ou IRIS, na sigla original, está no processo de análise dos riscos do PFBA, e a divulgação do relatório está prevista para o primeiro trimestre do próximo ano. Procurada para comentar, a 3M direcionou o Intercept a uma declaração em seu site, afirmando que “as evidências científicas disponíveis não corroboram uma relação causal entre a exposição aos PFAS e os desfechos das condições de saúde da covid-19″.
Pesquisas anteriores de Grandjean demonstraram que níveis mais altos de PFAS em crianças estavam correlacionados a uma resposta mais fraca a diversas vacinas – e ele teme que o mesmo ocorra com uma vacina contra covid-19.
“Eu considero que o que vimos antes tem grandes chances de acontecer novamente”, disse ele, em relação às vacinas contra covid-19 atualmente em desenvolvimento. As comunidades com níveis elevados em decorrência de contaminação industrial deveriam receber especial atenção quando uma vacina for distribuída, disse ele. “Elas podem precisar de mais do que a recomendação de uma ou duas doses para a população em geral, porque sua produção de anticorpos pode estar suprimida.”
Tradução: Deborah Leão
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