segunda-feira, 1 de julho de 2019

Com cortes e polêmicas, educação vira a vidraça do governo Bolsonaro

Nos seis primeiros meses de governo Jair Bolsonaro (PSL), poucos ministérios despertaram tanta polêmica e debate quanto o da Educação (MEC). Citada pelo presidente como área que seria prioritária em sua gestão, a educação manteve-se sob os holofotes do país inteiro: foi alvo de um corte bilionário de gastos públicos, o que motivou os maiores protestos populares de rua registrados neste primeiro semestre.

Protesto em defesa da educação, em 30 de maio, no Largo da Batata, em São Paulo
 
Com cortes e polêmicas, educação vira a vidraça do governo Bolsonaro 
Nos seis primeiros meses de governo Jair Bolsonaro (PSL), poucos ministérios despertaram tanta polêmica e debate quanto o da Educação (MEC). Citada pelo presidente como área que seria prioritária em sua gestão, a educação manteve-se sob os holofotes do país inteiro: foi alvo de um corte bilionário de gastos públicos, o que motivou os maiores protestos populares de rua registrados neste primeiro semestre.
 Protesto em defesa da educação, em 30 de maio, no Largo da Batata, em São Paulo Protesto em defesa da educação, em 30 de maio, no Largo da Batata, em São Paulo
A redução no orçamento para a área não agradou. Pesquisa de opinião divulgada pela CNI/Ibope, na quinta-feira (27/6), aponta que o índice de desaprovação popular com as políticas educacionais de Bolsonaro subiu de 44% para 54% entre abril e junho, puxando para baixo a aprovação do governo como um todo. A educação, que antes era a segunda área mais bem avaliada da gestão, caiu para a quinta.

A crise começa no comando do ministério. O ultradireitista Abraham Weintraub é o segundo ministro a comandar o MEC desde o início do governo. Antes dele, o titular da pasta era Ricardo Vélez Rodríguez, demitido em 8 de abril em meio disputas entre diferentes alas dentro do ministério e depois de diversas medidas polêmicas do ministro.

Vélez pediu que escolas filmassem os alunos cantando o hino nacional, mas voltou atrás quando veio à tona que ele não tinha autorização parental para isso. Ele também defendeu revisar os livros didáticos para mudar a forma como eles retratam o golpe de 1964 e a ditadura militar.

As trocas de cargos no MEC não ficaram restritas ao primeiro escalão. O Inep, instituto responsável pelo Enem e por diversas outras avaliações do ensino brasileiro, está em seu quarto presidente desde a posse do novo governo. A secretaria-executiva do ministério teve cinco nomes publicamente indicados ao posto. Para muitos analistas de educação, isso favorece a paralisação de importantes programas do MEC, com potenciais prejuízos à já problemática educação brasileira.

Os cortes

A partir do final de abril, a atenção do país se voltou ao orçamento do MEC, a partir da declaração de Weintraub de que seriam cortadas as verbas de universidades federais que não tivessem desempenho satisfatório e promovessem “balbúrdia” nos campi. Mais tarde, o corte foi estendido a todas universidades federais, inicialmente anunciado como 30% da verba total e, depois, 30% do orçamento discricionário (ou seja, de gastos não obrigatórios), o equivalente a mais de R$ 1,5 bilhão.

Mas a medida se estendeu também a outros institutos federais de educação, à concessão de bolsas e até a programas ligados à educação básica, área considerada prioritária pelo próprio governo. No total, segundo o MEC, estão contingenciados atualmente R$ 5,8 bilhões do orçamento de áreas diversas da pasta.

Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal apontam que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), por exemplo, teve congelado quase R$ 1 bilhão, ou 21% de seu orçamento para 2019. O FNDE financia livros didáticos, transporte escolar e auxílio à formação de professores na educação básica, entre outras coisas.

Em vídeo bisonho que se tornou célebre, em 9 de maio, Weintraub e Bolsonaro usaram chocolates para explicar o bloqueio de recursos nas universidades. “A gente não está falando para a pessoa que a gente vai cortar. Deixa para comer (o chocolate) depois de setembro (após a reforma da Previdência)”, declarou o ministro.

Na esteira do corte de gastos, a Capes (fundação vinculada ao MEC que concede bolsas de pós-graduação) anunciou em maio cortes em seu orçamento, o que gerou novas críticas da comunidade acadêmica, ante o grande impacto potencial da medida sobre a produção acadêmica do país. Segundo a Capes, porém, todas as bolsas já concedidas serão mantidas, no Brasil e no exterior. A entidade afirma ter feito um “bloqueio preventivo” de 3.474 bolsas que ainda não haviam sido concedidas para estudantes.

Protestos

Os cortes de gastos serviram de gatilho para mobilizações populares pela educação, que levaram milhares de pessoas às ruas do País em duas ocasiões: 15 de maio e 30 de maio. Nas duas ocasiões, as reações do governo foram vergonhosas. 

Em 15 de maio, Bolsonaro afirmou que a maioria dos manifestantes era militante. “Não sabem a fórmula da água. São uns idiotas úteis, uns imbecis, sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais no Brasil”, declarou o presidente. Em entrevista posterior, ele afirmou que exagerou ao chamá-los de “idiotas”: “O certo é (que são) inocentes úteis. São garotos inocentes, nem sabiam o que estavam fazendo lá”.

Na segunda manifestação, a polêmica veio de um comunicado do MEC, de 30 de maio, afirmando que “professores, servidores, funcionários, alunos, pais e responsáveis não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário e no ambiente escolar”. Em resposta, o Ministério Público Federal pediu uma retratação pública e recomendou que o ministério “se abstenha de cercear a liberdade dos professores, servidores, estudantes, pais e responsáveis pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação de pensamento”.

Além desses dois protestos, a greve geral realizada em 14 de junho também teve como uma de suas bandeiras a crítica aos cortes na educação. Por fim, as manifestações do ministro Weintraub nas redes sociais também chamam atenção. Numa das mais famosas, ele apareceu com um guarda-chuva para dizer que “choviam fake news” sobre as verbas do MEC para a reconstrução do Museu Nacional.

Algumas postagens mais recentes, porém, foram mais polêmicas. Ao comentar o caso do oficial da FAB (Força Aérea Brasileira) detido na Espanha pelo transporte de 39 kg de cocaína, ele escreveu: “No passado o avião presidencial já transportou drogas em maior quantidade. Alguém sabe o peso do Lula ou da Dilma?”. O PT deve processar o ministro.

Sobre o mesmo tema, Weintraub escreveu: “Tranquilizo os 'guerreiros' do PT e de seus acepipes: o responsável pelos 39 kg de cocaína NADA tem a ver com o Governo Bolsonaro. Ele irá para a cadeia e ninguém de nosso lado defenderá o criminoso. Vocês continuam com a exclusividade de serem amigos de traficantes como as FARC.” O curioso, nesse caso, é o uso da palavra “acepipes”, que quer dizer “petiscos”. A suposição é que Weintraub quisesse dizer “adeptos” ou “asseclas”.

Má gestão

A falência, no início de abril, da gráfica que imprimiria as provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e o troca-troca no comando do Inep (responsável pelo exame) suscitaram dúvidas quanto a se será possível cumprir o calendário da prova, para a qual há mais de 5 milhões de estudantes inscritos. Como o Enem requer um forte esquema de segurança e logística, sua impressão tem de ocorrer com meses de antecedência.

Em 21 de maio, o MEC anunciou contrato com a gráfica Valid para imprimir a prova e afirmou que o calendário dos exames está mantido. A realização do Enem é um entre ao menos quatro temas urgentes a serem enfrentados pelos dirigentes da educação brasileira neste ano de 2019. 

Outro é o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que é a fonte da maioria dos recursos que financiam a educação básica pública do país. O fundo tem cerca de R$ 150 bilhões por ano, vindos de impostos como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e de transferências federais obrigatórias pela Constituição. 

O problema é que, por lei, o Fundeb expira no ano que vem, deixando uma grande incógnita sobre qual será o mecanismo de financiamento da educação a partir de 2020. Há movimentações no Congresso para tentar aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que torne o Fundeb permanente, mas o tempo é curto: PECs exigem votação em dois turnos no Plenário da Câmara dos Deputados, com os votos de ao menos 3/5 dos deputados.

Por fim, outras duas siglas em debate atualmente na educação são estas: BNCC e PNE. A primeira se refere à Base Nacional Comum Curricular, documento que definiu as aprendizagens consideradas essenciais para a educação infantil e o ensino fundamental de todas as escolas públicas e privadas do país. 

O documento foi homologado pelo MEC (sob o governo Michel Temer) em dezembro de 2017 e agora precisa ser posto em prática. O desafio é ainda maior na etapa do ensino médio, que conta com uma Base Curricular específica (aprovada só em 2018), a qual caminha a passos lentos.

E a segunda sigla – PNE – se refere ao Plano Nacional de Educação, lei aprovada pelo Congresso em 2014 com 20 metas para a educação do país a serem cumpridas em uma década, até 2024. Chegamos neste ano à metade desse percurso sem que a grande maioria das metas tenha sido cumprida – e a avaliação de especialistas é que praticamente já não há tempo hábil para cumprir muitas delas.

Em meio a isso, uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro no MEC foi a criação de uma secretaria de alfabetização, em meio a um rearranjo no ministério que levou à extinção de outra secretaria, voltada à promoção da inclusão social na educação. O novo órgão está sob o comando de Carlos Nadalim, que foi aluno de Olavo de Carvalho e é crítico de Paulo Freire. 

A subpasta entrou em uma polêmica em torno de método de alfabetização, diante da sinalização de que o método fônico seria privilegiado em detrimento de outros – o que gerou crítica de especialistas. O fato é que o problema da alfabetização ainda é crucial no país: cerca de um terço das crianças brasileiras não saem plenamente alfabetizadas do terceiro ano do ensino fundamental. Segundo o IBGE, o Brasil ainda tem 11,3 milhões de pessoas de 15 anos ou mais que são analfabetas – o equivalente a 6,8% da população.

Da Redação, com informações da BBC News

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