sábado, 19 de junho de 2021

CAFÉ COM PÓLVORA Funcionários do império alimentício Maratá usam tiro, fogo e violência para tomar área de camponeses no Maranhão





Q

uase todo lar maranhense tem um produto do Grupo Maratá sobre a mesa, na geladeira ou na despensa. Café, pimenta, vinagre, temperos, sucos, molhos e cuscuz são os mais comuns. A marca é onipresente no comércio da capital São Luís e nas vendinhas de uma só porta de comunidades rurais. Nelas não pode faltar o fumo Maratá, ou “porronca”, como é conhecido o fumo de corda já desfiado vendido em pacotinhos plásticos de 50 gramas.

Foi com a venda desse tipo de fumo, tão popular nas zonas rurais do norte e nordeste do país, que o dono do Grupo Maratá, o sergipano José Augusto Vieira, iniciou seu império agroindustrial nos anos 1960, na cidade de Lagarto, a pouco mais de 65 km de Aracaju, capital de Sergipe. Hoje, a empresa está em todos os estados do Brasil, possui seis plantas industriais em Sergipe e produz mais de 150 itens.

O que talvez pouca gente saiba é que para a construção de parte desse império, centenas de homens, mulheres, crianças e idosos pagaram e ainda pagam, no Maranhão, um alto preço que não é revelado ao consumidor final. Pelo menos desde 2004, funcionários da empresa expulsaram com ameaças, destruição e incêndios camponeses que vivem e trabalham na zona rural do município de Timbiras, nordeste do estado, de terras disputadas pela empresa.

A Maratá alega que as áreas são suas. O caso, no entanto, é mais um exemplo do caos da documentação de terras no Brasil – que resulta em conflitos violentos nos quais os mais fracos costumam perder. Embora a empresa tente ficar com a terra, os camponeses buscam que a justiça reconheça o direito das famílias sobre as áreas, com base em regras do Código Civil. As famílias que vivem lá ocupam a área há quase um século, de acordo com depoimentos dos camponeses entrevistados. Muito antes de a Maratá e o seu fundador existirem. O processo de reconhecimento da área em nome dos camponeses está em andamento desde janeiro de 2020.

O caderno de Conflitos no Campo Brasil de 2020, publicado hoje pela CPT, Comissão Pastoral da Terra, aponta que o Brasil teve 1.576 conflitos por terra registrados no ano passado, afetando 171.625 famílias. O Maranhão é o segundo estado mais conflituoso, com 203 ocorrências. Em primeiro lugar está o Pará, com 254 ocorrências, e em terceiro o Mato Grosso, com 166. Os conflitos por terra incluem despejos, expulsões, ameaças, invasões e ações de pistolagem. Pelo menos 18 pessoas foram assassinadas no país em consequência deles.

Só no Maranhão, os conflitos no campo no ano passado afetaram 21.737 famílias. Na raiz da violência está a grilagem.

Tiros, fogo e jagunços uniformizados

O

ataque mais recente aconteceu em 13 de agosto de 2019, quando três homens com uniformes da Agromaratá, o braço agropecuário do grupo, atearam fogo em casas, estruturas e na produção dos camponeses, segundo relatos dos moradores. Eles afirmam que foram destruídas residências de taipa, duas casas de produção de farinha e sacas de farinha, milho, arroz e outros alimentos que as famílias tinham produzido nas comunidades Santa Maria e Jaqueira, a cerca de 13 km da sede de Timbiras. Além de mantimentos, as vítimas relatam que foram destruídas roupas, vasilhas, redes, ferramentas e outros itens pessoais dos camponeses. Era perto de meio dia, e a maioria das pessoas estava distante das casas, trabalhando na roça.

Naquele dia, os jagunços da Maratá, depois de provocarem terror na comunidade, deram 24 horas para que as famílias fossem embora dali, segundo Cleones Batista Gomes, 43 anos, morador de Santa Maria. As famílias se arranjaram como foi possível, levando o que havia sobrado do incêndio. Quem não tinha como sair contou com a sorte.

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