O DEPUTADO BOLSONARISTA Loester Trutis relata ter sofrido uma emboscada em fevereiro do ano passado. Ele e seu assessor estariam na rodovia BR-060, entre Sidrolândia e Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, quando o motorista de uma caminhonete emparelhou com o seu carro e disparou uma rajada de tiros de carabina. Por milagre, nenhum dos tiros teria atingido o deputado e seu assessor, que dirigia o carro. O deputado, que estaria descansando no banco de trás, disse que reagiu valentemente com tiros, colocando os criminosos para correr. Orgulhoso do seu heroísmo, escreveu no Facebook ao lado de uma foto do seu carro alvejado: “Graças a Deus pude revidar e aguardar a chegada da polícia. Quem achou que eu ia parar ou me calar, digo que estamos apenas começando e sigo trabalhando”.
Trutis contou para a Polícia Federal que suspeitava que os criminosos fossem traficantes de drogas e cigarros insatisfeitos com sua atuação parlamentar implacável contra a bandidagem. Realmente seria um ato heroico, digno de Hollywood, se não fosse só mais uma mentira escabrosa dita por um político bolsonarista. Sim, Loester Trutis forjou o atentado. Pelo menos foi isso o que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal concluíram após meses de investigação.
Nenhuma das informações fornecidas pelo deputado batiam com o que foi apurado pela PF, o que fez com que os policiais desconfiassem da história. O GPS do carro indicava localizações completamente diferentes das relatadas por Trutis. Ele também informou o modelo e o final da placa da caminhonete, mas as câmeras de segurança da rodovia não registraram a passagem do veículo. Com os dados fornecidos, a polícia encontrou a única caminhonete que batia com a descrição: era de propriedade de um fazendeiro de 71 anos, velha, com problemas mecânicos que a tornavam inútil para uma perseguição em alta velocidade numa rodovia. Com aquela inteligência própria dos reacionários, Trutis deu detalhes das armas dos atiradores: “CTT, calibre .40, […] não se tratava de um fuzil, pois o carregador era retilíneo e não curvo”. Mas a perícia indicou que os tiros partiram de uma Glock 9mm de um atirador que estava em pé e parado. O modelo da arma é o mesmo de uma que o deputado gostava de exibir nas redes sociais. O exibicionismo bélico, esse fetiche do bolsonarismo, fez os investigadores ficarem ainda mais desconfiados.
Mas qual seria a motivação de Trutis em simular um atentado? A PF e o MPF concluíram que ele queria faturar politicamente em cima do caso. O MPF apontou que o deputado seguiu fazendo postagens sobre o atentado durante muito tempo, “sempre associando os fatos a uma disputa política no Mato Grosso do Sul e exaltando o fato de que estava armado”. A conclusão das autoridades faz todo sentido, já que a principal pauta de Trutis na política é justamente a flexibilização do Estatuto do Desarmamento.
Em sua casa, foram encontradas um arsenal de armas: a pistola Glock que ele adorava exibir na internet, um fuzil, um revólver calibre 357 e muita munição. Além de estarem em nome de laranjas, todas essas armas são ilegais, pois são de uso restrito. Outro agravante: o deputado estava impedido de ter armas em seu nome porque a lei exige uma ficha criminal limpa, o que definitivamente não é o seu caso. Trutis tem antecedentes criminais, que vão de violência doméstica a tentativa de estupro.
O machão foi preso em flagrante, mas ficou apenas um dia na cadeia. A ministra Rosa Weber determinou a soltura imediata do parlamentar com base numa mudança feita pelo pacote anticrime de Sergio Moro: a Lei 13.965, aprovada no Congresso com o voto favorável de Trutis, mudou a pena para o flagrante de posse de arma de uso restrito, que deixou de ser um crime inafiançável. Um sujeito como Trutis pode agora desfrutar da liberdade graças às medidas de Moro e Bolsonaro. É irônico que o pacote seja chamado de anticrime.
Loester Trutis é um legítimo representante do jeito novo de fazer política consagrado pelo bolsonarismo. Até pouco tempo antes de se candidatar pela primeira vez em 2018 e ser eleito na onda reacionária que tomou conta do país, Trutis era um cidadão comum, proprietário de lanchonete e militante reacionário na internet. Atacava comunistas e xingava jornalistas, a quem costuma chamar de “maconheiros”. Ficou famoso nas redes sociais por vender em sua lanchonete o Bolso Burger, The Trump Burger e o Geisel Burger, uma homenagem aos extremistas de direita.
Durante a eleição, apresentou-se como um cidadão de bem que luta em defesa da família e pelo direito de andar armado. O seu jingle de campanha era uma paródia da música tema do filme Tropa de Elite: “chegou o Tio Trutis, osso duro de roer. Malandro e maconheiro ele vai mandar prender”. A letra da música também exaltava a Polícia Federal, a mesma que hoje ele acusa de manipular as investigações do seu atentado falso.
Apesar de neófito na política, o deputado é da linha de frente da bancada da bala. “Tio Trutis”, como é conhecido, é o idealizador da segunda bancada da bala, criada para defender a facilitação da compra, posse e porte de armas de fogo. Inclusive, ele usou o fato de presidir a bancada para justificar seu arsenal de armas ilegais: “Sim, foram encontradas várias armas na minha casa, pois sou o presidente da Frente Parlamentar Armamentista, presidente do Instituto Brasileiro da Cultura Armamentista. Porra, vocês queriam que achassem o que na minha casa?”.
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