segunda-feira, 12 de outubro de 2020

DESPEJO NO ‘LOTE OCHO’


FREQUENTEMENTE, Rosa Elbira Coc Ich preparava o almoço na cozinha externa da comunidade Lote Ocho, na Guatemala, enquanto os helicópteros passavam sobrevoando com suas rajadas de ar ensurdecedoras. As pás do rotor espalhavam tomates, feijões, ervas e tortilhas sobre o solo castanho-avermelhado. Os helicópteros pairavam sobre as cabanas da aldeia, formando nuvens de poeira e terra e derrubando no chão as chapas de ferro e folhas de palmeira usadas como telhados.

Ich se recorda de que os helicópteros sobrevoavam diariamente, às vezes até mesmo duas vezes por dia, a partir do final de 2006 e até 2008. Agora com 35 anos, ela contou ao Intercept que corria para dentro de sua cabana, morta de medo de que ela e os demais moradores da aldeia estivessem prestes a ser expulsos a força de suas terras pela Compañía Guatemalteca de Niquel [Companhia Guatemalteca de Níquel], a CGN: uma empresa guatemalteca de mineração com a qual Lote Ocho, e pelo menos 18 outras comunidades indígenas, tem disputado terras desde o começo de 2005. Os helicópteros também a lembraram dos helicópteros militares que havia visto quando era pequena, já no final dos 36 anos de guerra civil na Guatemala, durante os quais os militares praticaram genocídio contra diversos grupos indígenas.

Recordar Ich do passado genocida de seu país e fazê-la temer o uso da força no futuro parece ter sido mesmo o objetivo.

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Na época, a CGN era subsidiária da Skye Resources, uma empresa de mineração sediada em Vancouver. Em 12 de outubro de 2006, o vice-presidente de operações da Skye, William Enrico, enviou um e-mail para vários colegas sugerindo formas de lidar com os “invasores”, como eles chamavam os moradores indígenas das aldeias:

“Cesar me aconselhou a fazer mais voos – especialmente de helicóptero. Pode ser bom que os nossos voos regulares circulem sobre áreas importantes, para causar impacto psicológico. Isso não deve nos custar nada demais.”

O homem que deu esse conselho para Enrico foi César Montes, co-fundador do Exército Guerrilheiro dos Pobres, antes um formidável grupo militante de esquerda cujo reduto englobava a região de Ixil, onde, entre 1981 e 1983, os militares praticaram genocídio contra o povo Ixil. Refugiados Ixil que fugiam para as montanhas foram metralhados por atiradores em helicópteros. Montes, que aparentemente atuou informalmente como consultor para a Skye e a CGN, certamente detinha uma profunda compreensão do “impacto psicológico” que sobrevoos de helicóptero teriam sobre os indígenas.

Os sobrevoos sobre Lote Ocho foram revelados por documentos corporativos anteriormente sigilosos, que se tornaram públicos em uma ação judicial no Canadá. Esses documentos, até agora pouco noticiados, mostram que o assédio por helicóptero foi apenas uma parte de uma campanha muito maior promovida pela Skye e pela CGN para expulsar as comunidades indígenas de uma enorme faixa de terra que as empresas nunca tiveram qualquer direito legítimo de explorar. Esse esforço se concentrou em tentativas frequentemente bem sucedidas de influenciar, manipular ou subornar as instituições públicas mais poderosas da Guatemala, incluindo o judiciário, as forças de segurança – e até mesmo a presidência. A campanha culminou em duas ondas de remoções de diversas aldeias indígenas, nas datas de 8, 9 e 17 de janeiro de 2007. Onze mulheres de Lote Ocho teriam sofrido estupro coletivo por policiais, soldados e seguranças da CGN, durante o último despejo. Ich é uma dessas mulheres.

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