quarta-feira, 21 de outubro de 2020

BISPOS DE ANGOLA ENGROSSAM DENÚNCIA SOBRE RETIRADA ILEGAL DE DÓLARES DA IGREJA UNIVERSAL NO PAÍS Religiosos revelam como funcionava operação da igreja de Edir Macedo para transportar dinheiro de fieis em sigilo para África do Sul e Brasil.


AO MENOS DUAS VEZES por ano, pastores brasileiros da Igreja Universal, a Iurd, em Angola recebiam uma delicada e arriscada missão: transportar dólares arrecadados em cultos para a África do Sul. O dinheiro, fruto de dízimos e ofertas, seguiria de carro, por estradas, relatou o ex-bispo Alfredo Paulo Filho. Segundo ele, seriam transportados, geralmente, entre 4 milhões e 6 milhões de dólares por viagem. Cédulas seriam escondidas em malas, no forro de veículos e até em pneus.

A missão sigilosa era reservada aos pastores brasileiros, mais próximos da cúpula da igreja. Religiosos angolanos afirmaram que não tinham acesso às contas da Universal. Como essa transferência de recursos seria ilegal – não declarada –, a operação sigilosa era uma maneira, segundo eles, da igreja espoliar recursos do país – e garantir a irrigação de dinheiro para o império de Edir Macedo. Mais especificamente, para o braço europeu dele.


As denúncias de uma rota de transporte de dinheiro entre África e Europa apareceram pela primeira vez há quatro anos, quando o ex-bispo Alfredo Paulo Filho, responsável pela Universal em Portugal entre 2002 e 2009, passou a fazer denúncias contra a igreja em vídeos na internet. Alfredo rompeu com a Universal em 2013.

Agora, porém, os relatos ganham respaldo de outros religiosos ligados à igreja, também rompidos com Edir Macedo e que passaram a liderar em Angola um movimento chamado de Reforma. Os bispos angolanos Valente Bezerra Luís e Felner Batalha, o brasileiro João Leite, ex-bispo da Universal responsável por Angola até 2017 e o ex-pastor angolano Tavares Armando Cassinda não apenas reforçam as acusações, como, pela primeira vez, também revelam mais detalhes sobre a suposta rota de remessas de dinheiro da África para a Europa.

Edir Macedo em setembro do ano passado, dia em que recebeu a visita de Jair Bolsonaro no Templo de Salomão. Foto: Alan Santos/PR

A colheita depois da fogueira santa

“Tenho conhecimento de que havia evasão de divisas, e o dinheiro ia para a África do Sul”, me disse Felner Batalha, vice-líder da Iurd em Angola até 2018 e, até essa época, o então auxiliar imediato do bispo João Leite no comando da igreja no país. Para o bispo Batalha, a Universal arrecadaria em Angola algo entre 50 milhões e 60 milhões de dólares ao ano. Já o bispo Valente Luís, o vice-líder da Iurd em Angola depois de Batalha, até 2019 – e agora apontado com o novo líder da reforma angolana –, o montante anual dos dízimos e ofertas recolhidos superaria os 80 milhões de dólares.

“Angola sustenta Portugal e a Europa”, afirmou o brasileiro João Leite, em um áudio publicado no YouTube, em abril de 2019. O ex-homem forte da Universal no país também rompeu com Edir Macedo após ser flagrado em um caso de adultério – confessado em vídeo. Segundo Leite, somente de Moçambique, um país vizinho, teriam saído, dois anos antes, 4 milhões de dólares para a África do Sul.

Segundo as denúncias, somas coletadas pelos templos em Angola chegavam a 80 milhões de dólares.

“Vi que ele [João Leite] falava disso. Ele tinha informações melhores do que eu sobre o fato de Angola sustentar a Europa”, me disse o bispo Batalha, transferido há dois anos de Angola para a catedral da Universal no Rio de Janeiro. Naquele momento, ele havia começado a denunciar os problemas existentes na igreja, inclusive “evasão de divisas”, como relatou em carta a Edir Macedo de 2018. No documento, Batalha expôs sua insatisfação. E acabou afastado.

Instalada em mais de 90 países, a Universal tem cerca de 500 mil fiéis em Angola, segundo informações da própria igreja. País pobre, apesar de possuir grandes reservas de petróleo e minas de diamante, Angola tem 30 milhões de habitantes – 41% católicos e 38% evangélicos – e enfrentou uma guerra civil de três décadas, encerrada apenas em 2002.

Segundo as denúncias, as somas coletadas nos templos angolanos eram cobiçadíssimas – estimadas pelo bispo Valente Luís em 80 milhões de dólares por ano, superariam as de países como Portugal. O ex-bispo Alfredo Paulo afirmou que as jornadas à África do Sul costumariam ocorrer depois de uma das maiores campanhas de arrecadação da Universal, a chamada Fogueira Santa de Israel. É um momento em que “nada é impossível” para os verdadeiros crentes e fiéis, que chegam a doar todo o seu salário e bens pessoais como prova inequívoca de sua fé.

Também afastado por trair a mulher, Alfredo Paulo havia revelado que o dinheiro de Angola era levado para Portugal e, dali, para países como os Estados Unidos e Reino Unido, onde ajudava a manter as operações da TV Record na Europa. Segundo ele, Edir Macedo, com seu avião particular, recolheria pessoalmente essas quantias duas vezes ao ano. Como Alfredo não apresentou provas documentais, suas declarações à época não sensibilizaram autoridades africanas e europeias.

“A minha prova sou eu. Participei e vi com os meus olhos. Se eu tirasse fotos, não ia chegar aonde cheguei na igreja”, declarou à Folha de S.Paulo. As acusações renderam processos da Universal contra o ex-bispo por calúnia e difamação. Seguindo seu costumeiro modo de ação com conteúdos críticos, a igreja encaminhou dezenas de pedidos à justiça para retirar os vídeos com as denúncias das redes sociais. Em alguns casos, obteve sucesso ao reivindicar direitos autorais pelo uso de imagens produzidas por seus religiosos e pela TV Record.

A Universal negou tudo e chamou o dissidente de “mentiroso”. Em nota, afirmou: “Confiamos que a justiça brasileira revelará onde está a verdade nesta mais nova tentativa de manchar a imagem da Universal, punindo exemplarmente o mentiroso”. O ex-bispo perdeu uma disputa em primeira instância: a juíza Raquel de Oliveira, da 6ª Vara Cível do Rio de Janeiro, determinou que ele pedisse desculpas públicas e pagasse multas no valor de R$ 1,8 milhão por violar a honra e a reputação da Universal. O bispo não fala sobre o processo.

Ao Intercept, a Universal reforçou a nota e afirmou que Alfredo Paulo “foi condenado pela justiça brasileira por estas e outras mentiras que contou sobre a Igreja Universal do Reino de Deus e por haver caluniado bispos e pastores da instituição” e que deve multas e indenizações que já ultrapassam R$ 5 milhões.

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