POUCAS HORAS DEPOIS de se tornar o cenário de um cerco histórico, o cenário fora do Capitólio dos Estados Unidos era assustador, mas calmo. Não havia mais multidões e o gás lacrimogêneo já havia se dissipado. O único som nas ruas era de uma ocasional sirene ao longe. Desde as viaturas da polícia até as SUVs escuras, quase todos os veículos nas ruas pertenciam a alguma agência de policiamento. Algumas dezenas de âncoras de TV enviavam suas notícias do lado sudoeste do Capitólio. Atrás deles, funcionários de governo camuflados e de afiliação obscura andavam de um lado para outro, realocando seus escudos e outros equipamentos táticos. Mais perto do prédio, uma coluna de policiais de choque vestidos de preto se arrastava pelas sombras, visíveis apenas pelo brilho de seus capacetes.
A presença da polícia na quarta à noite, como a usada contra manifestantes na posse de Donald Trump em 2017 e nos protestos do Black Lives Matter em 2020, foi um lembrete de que a capital do país mais poderoso do mundo não carece de forças de segurança. Como um corpo coletivo, as agências são abundantes e bem armadas, e contam com um aparato de compartilhamento de inteligência de um bilhão de dólares. Não que o comício de quarta-feira fosse algum segredo, nem seu desfecho fosse imprevisível. A manifestação que precedeu a tomada do Capitólio foi exaltada por semanas, inclusive pelo próprio presidente, que nos últimos quatro anos teve uma relação direta com muitos atos de violência de extrema direita.
“É algo que definitivamente mostra a ineficácia da rede de inteligência que construímos desde o 11 de setembro — que a Polícia do Capitólio não estaria preparada para um ataque ao Capitólio que foi planejado em público”, disse ao Intercept Mike German, um membro do Brennan Center para a Justiça e ex-agente do FBI especializado em contraterrorismo. “Não era como se esta fosse uma reunião espontânea. Foi um evento planejado por semanas, e ficou muito claro na atividade das redes sociais e nas declarações públicas desses militantes o que pretendiam fazer”.
O ataque ocorreu quando o Congresso se reuniu para certificar os votos do Colégio Eleitoral para o presidente eleito Joe Biden. Em resposta, os apoiadores do presidente organizaram uma manifestação para “parar o roubo” que atraiu milhares de manifestantes ao centro de Washington, D.C. Era pouco antes das 13 horas quando a multidão, com o incentivo do presidente, começou a derrubar barricadas e abrir caminho em meio à Polícia do Capitólio. O deputado Chris Pappas, um democrata de New Hampshire, que estava entre os legisladores que foram retirados às pressas do prédio, descreveu a velocidade com que a multidão dominou a Polícia do Capitólio como sendo “de tirar o fôlego”.
Em um comunicado divulgado na quinta-feira, o chefe da polícia do Capitólio, Steven A. Sund, disse que seus oficiais “responderam corajosamente quando confrontados com milhares de indivíduos envolvidos em ações violentas e tumultuadas”, e observou que quase 20 agências estaduais, locais e federais, incluindo a Guarda Nacional, responderam aos eventos do dia. Mais de 50 policiais ficaram feridos, disse ele, acrescentando: “o ataque violento no Capitólio dos EUA foi diferente de qualquer outro que vivi em meus 30 anos trabalhando em Washington D.C.” De acordo com informações divulgadas ao longo da quinta-feira, o Departamento de Polícia Metropolitana “não tinha inteligência” sugerindo que “haveria uma violação do Capitólio dos EUA”.
German, o ex-agente do FBI, disse: “é preciso haver uma investigação séria sobre as falhas de inteligência e as falhas táticas que permitiram que a própria capital fosse violada, especialmente por pessoas com armas”. Adam Isacson, o diretor do programa de supervisão de defesa do Washington Office para a América Latina, sediado na capital dos EUA, vinculou os eventos a uma politização mais ampla da polícia sob Trump, uma reminiscência dos movimentos antidemocráticos que os EUA patrocinam historicamente ao redor do mundo. “Você não consegue pilhar o Capitólio por horas, e depois ir embora calmamente, a menos que a polícia e seu comando compartilhem de suas opiniões”, escreveu. “O que vimos ontem foi a aprovação tácita dos desordeiros. Ponto final”.
Para aqueles que acompanharam a violência de extrema direita durante a presidência de Trump, a coisa mais chocante sobre os eventos de 6 de janeiro de 2021 talvez seja o quão previsível tudo era. Em um discurso antes do início da violência, o presidente, que há muito havia deixado claro que não tinha interesse em admitir a derrota, lembrou seus apoiadores que eles foram injustiçados por malfeitores e que cabia a eles lutar pelo destino do país. Ele os ungiu as estrelas de seu próprio filme de ação, com a cena culminante do final agora ao alcance. “Se você não lutar como o diabo”, Trump avisou, “você não vai mais ter um país”. Ele disse aos seus seguidores que, juntos, eles marchariam sobre o Capitólio para fazer suas vozes serem ouvidas. É claro, ele pessoalmente não fez isso — Trump subiu em um veículo blindado e saiu de cena — mas seus apoiadores fizeram exatamente o que lhes foi dito para fazer.
A multidão insurrecional encontrou alguma resistências enquanto desciam ao Capitólio — alguma, mas não muita. A polícia usou agentes químicos contra eles, mas em geral a resposta teve pouca semelhança com o punho de ferro testemunhado contra os manifestantes de justiça racial em Washington, D.C., e em cidades de todo o país poucos meses atrás. Os rebeldes gritaram com a polícia, chamando-os de traidores, e deram socos nos policiais sem que isso tivesse consequência. Os apoiadores de Trump, com seus bonés vermelhos, então quebraram as janelas e portas do Capitólio para invadir o prédio. Alguns agitaram a bandeira confederada; muitos mais carregavam faixas com o nome do presidente. Embora alguns policiais do Capitólio tenham brandido seus cassetetes contra os insurgentes que avançavam, ao menos um deles os satisfez posando para uma selfie.
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