sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

EX-CONSELHEIROS CONTAM POR QUE O CFM NÃO OUSA DESMENTIR GOVERNO SOBRE FALSOS TRATAMENTOS PARA COVID-19 Eleições marcadas por fake news dignas do ‘gabinete do ódio’ também deram poder a médicos alinhados ao presidente em São Paulo.

RESPONSÁVEL POR INVESTIGAR e punir profissionais da saúde que violem a ética médica, o Conselho Federal de Medicina levou nove meses para se pronunciar sobre os falsos tratamentos para covid-19 estimulados pelo governo federal. A omissão, no entanto, não acabou. Em um artigo publicado no último domingo, Mauro Ribeiro, presidente do CFM, deixou claro que o conselho não irá agir para acabar com a farsa do tratamento precoce.


O que as recentes notas e manifestações do CFM e dos conselhos regionais de medicina não dizem é que essa é uma orientação e vontade interna, com o intuito de não romper o alinhamento ideológico das chefias desses órgãos com o presidente Jair Bolsonaro, conforme revela a apuração do Intercept.

As fontes ouvidas, sob condição de anonimato, afirmaram que, internamente, a orientação aos médicos que integram tanto o conselho federal quanto o conselho regional de São Paulo, o maior do Brasil, é de evitar se posicionar. Seja em redes sociais privadas ou em entrevistas à imprensa, os profissionais de saúde devem evitar menções públicas sobre o uso de cloroquina, hidroxicloroquina e outros medicamentos defendidos pelo governo federal no combate à covid-19.


Estudos apontam que a cloroquina e a hidroxicloroquina são remédios com efeitos colaterais graves, como arritmia cardíaca e complicações renais, e comprovadamente ineficazes no tratamento da covid-19, mesmo em quadros graves. Em alguns casos, podem matar o paciente. O Código de Ética Médica veda ao médico a divulgação de promessas de resultados e cura, além de tratamentos sem comprovação científica, o sensacionalismo e a autopromoção. São os conselhos de medicina que, em tese, deveriam fiscalizar essas más práticas – mas estão omissos.

Após pressão da classe médica e da imprensa, os dois órgãos se manifestaram recentemente sobre o fantasioso “tratamento precoce”, defendido pelo Ministério da Saúde. Não há, porém, nenhuma intenção de desencorajá-lo. “O ponto fundamental que embasa o posicionamento do CFM é o respeito absoluto à autonomia do médico”, escreveu Ribeiro na Folha de S.Paulo. Para ele, as críticas ao uso de tratamentos desmentidos por diversos estudos não passam de uma “politização criminosa” a que o CFM não se renderá.

                Bolsonaro e a omissão

O alinhamento entre Bolsonaro e o atual presidente do CFM, Mauro Ribeiro, foi elucidado ao longo de 2020. Em abril do ano passado, Ribeiro entregou ao presidente um parecer sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. A conclusão do cirurgião-geral, formado pela Faculdade de Medicina de Petrópolis, no Rio de Janeiro, foi de que não havia evidências de sucesso do medicamento no combate à doença. Mas, ainda assim, o presidente do CFM defendeu que os médicos estão autorizados a prescrever o medicamento, principalmente para casos leves, se julgarem necessário.

Um mês antes desse encontro, Bolsonaro compartilhou no Twitter um vídeo de Ribeiro. Nele, o presidente do CFM atacava os governadores do Nordeste que defendiam a proposta de trazer ao Brasil 15 mil profissionais da saúde brasileiros que atuavam no exterior para ajudar o setor público no combate à pandemia.

No dia 14 de janeiro deste ano, o governo federal lançou o aplicativo TrateCov e foi criticado por grande parte da comunidade científica do país. O app permitia que qualquer cidadão fizesse uma simulação de diagnóstico e recebesse indicação de tratamentos com remédios como a cloroquina. Demorou uma semana para que o conselho se manifestasse pedindo o cancelamento do aplicativo, que foi tirado do ar horas depois. Segundo o ministro Pazuello, a plataforma não teria sido disponibilizada, mas um “hacker” teria publicado o aplicativo de políticas públicas governamental.

Houve omissão também em relação à campanha de vacinação no país. O CFM não pressionou o governo federal em nenhum momento para agilizar a compra de vacinas contra a covid-19, enquanto Bolsonaro atuava em campanha contra a vacinação, dizendo que ele próprio não iria se vacinar e que as pessoas imunizadas poderiam virar um “jacaré”. O órgão só foi demonstrar apoio aos imunizantes depois de sofrer pressão pública de ex-dirigentes da entidade.

O Intercept procurou Mauro Ribeiro, presidente do conselho, mas não teve retorno.

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