quarta-feira, 17 de junho de 2020

‘Vi amigos serem espancados pela polícia': quando cidades colocam a propriedade acima de vidas negras

          Manifestantes entram em conflito com a polícia de Chicago durante um protesto pela morte de George Floyd, em 30 de maio de 2020.Manifestantes entram em conflito com a polícia de Chicago durante um protesto pela morte de George Floyd, em 30 de maio de 2020. Foto: Jim Vondruska/NurPhoto via Getty Images



CONFORME AS CIDADES AMERICANAS, uma por uma, se rebelavam para exigir o fim da brutalidade racista da polícia, sobretudo em relação aos negros, eu sabia – como qualquer pessoa com olhos e ouvidos – que levaria pouco tempo até Chicago ter seu próprio levante em resposta ao horrível assassinato de George Floyd. O Departamento de Polícia de Chicago tem seu histórico em relação a assassinatos de negros, racismo e corrupção policial. Trata-se do mesmo modelo de polícia corrupta e racista do país, que produz manchetes nacionais e internacionais por seus crimes históricos contra a humanidade, assassinatos racistas de jovens negros desarmados, uso de “black sites” – locais secretos para aprisionar e interrogar suspeitos – tudo com a capacidade de ter suas atitudes ignoradas pelo governo.

Em 31 de maio, o terceiro dia de protestos, eu acordei em uma cidade que entrava em uma espécie de bloqueio total. O noticiário informava que as pontes que ligavam o centro de Chicago ao seu lado norte haviam sido bloqueadas, para evitar cenas de propriedades destruídas pela cidade. No final do dia, a prefeita anunciaria por meio de tweets que o centro da cidade teria acesso restrito para “liberar recursos e permitir apoio suplementar aos bairros”. No entanto, naquela manhã, os “recursos” e “apoio suplementar” vieram na forma de centenas de policiais a pé, em camionetes SUV e em helicópteros circulando sobre a região. A Guarda Nacional seria chamada em seguida para estabelecer pontos de verificação.

Depois de ouvir as constantes sirenes e helicópteros da janela do meu apartamento em Southside por 30 minutos, decidi dar um passeio. Quando subi a 47th – uma rua cheia de comércios locais – vi que duas fachadas de lojas haviam sido arrombadas. A polícia estava por toda parte, afastando os moradores do bairro de forma agressiva. Não era nada parecido com o que eu tinha visto no noticiário: a polícia percorrendo o centro rico e branco da cidade, cercando “vândalos” e “saqueadores”.



Mais tarde naquele dia, participei de uma reunião de organização com outros ativistas e líderes de bairros vizinhos, a grande maioria envolvida em ações de base que se organizavam para o Movimento Black Lives Matter. Ouvimos falar de uma marcha nas proximidades. Quando ela se aproximou, alguns de nós decidimos participar do protesto pacífico que seguia para o leste, através do Hyde Park e em direção ao lago Michigan. A marcha terminou pacificamente, perto da Lake Shore Drive: a principal via que segue ao longo da margem do lago. Quando os manifestantes tentavam voltar para o oeste, em direção aos seus carros e ao transporte público, a polícia formou uma barreira que nos impediu de dispersar. Os manifestantes insistiram, ainda sem violência, e a polícia começou a nos empurrar de volta, usando cassetetes. Quando me virei, vi um de meus amigos ser agredido e empurrado, implorando para o policial se acalmar. Enquanto alguns dos manifestantes eram atacados pela polícia, outros tentavam afastá-los do perigo. Não seria a última vez que esse grupo de policiais nos atacaria.

Depois de um impasse de 90 minutos com as tropas do Departamento de Polícia de Chicago, eles finalmente cederam e abriram a barreira. Mas quando nos aproximamos de um corredor de vitrines na rua 53, os policiais, que também se dispersavam, começaram a virar um por um para correr em nossa direção. Ao me aproximar do cruzamento, vi nosso amigo ser derrubado por um policial. Em segundos, ele estava sendo espancado sem parar por um grupo de cinco ou seis oficiais. Mais policiais apareceram, enquanto espectadores e manifestantes gritavam para a polícia parar.

Quando nos aproximamos de um corredor de vitrines na rua 53, os policiais, que também se dispersavam, começaram a virar um por um para correr em nossa direção.
Duas outras pessoas do nosso grupo pularam por cima de nosso amigo, usando seus corpos para protegê-lo da surra, e recebendo sua parcela de pancadas no processo. Outra mulher pulou sobre seu noivo, na tentativa de protegê-lo dos golpes de cassetete.

No total, cinco negros foram espancados pelos policiais do Departamento de Polícia de Chicago a ponto de serem hospitalizados. Os quatro que foram presos tiveram concussões, ossos quebrados, cortes e contusões. Uma pessoa precisou de atendimento médico imediato para os ferimentos na cabeça, e foi liberada sob custódia dos médicos que compareceram à marcha. Um manifestante foi alvo de spray de pimenta por filmar o ataque da polícia. Uma amiga foi empurrada na frente de uma viatura policial em movimento por um oficial do DPC, e eu também fui derrubado enquanto corria para puxá-la na frente do veículo. Esta, sem dúvida, é apenas uma fração dos milhares de manifestantes que foram agredidos, espancados, alvos de insultos sexistas, homofóbicos ou transfóbicos, e tiveram seu direito a assistência jurídica negado simplesmente por estarem dispostos a defender vidas negras da contínua violência policial.

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