Lideranças indígenas de Roraima – como as da Raposa Serra do Sol – prepararam um dossiê contestando afirmações do governo Jair Bolsonaro (PSL) e do próprio presidente sobre o desenvolvimento de atividades econômicas na região. Na avaliação dos indígenas, “não há argumentos antropológicos ou jurídicos que vinculem o direito pleno à terra indígena a um certo desenvolvimento sociocultural e econômico entre os povos envolvidos”. Somente na Raposa Serra do Sol, há cinco etnias.
Em setembro deste ano, Bolsonaro criticou os processos de demarcações, dizendo que se depender dele, não haverá mais nenhuma demarcação de terra indígena no país. Como presidente eleito, em dezembro de 2018, Bolsonaro chegou a dizer que a Raposa Serra do Sol poderia ser explorada de “forma racional”. Na ocasião a equipe de Bolsonaro preparava inclusive um decreto para rever a criação da reserva indígena.
"É a área mais rica do mundo. Você tem como explorar de forma racional. E no lado do índio, dando royalty e integrando [ele] à sociedade”, afirmou o presidente na ocasião. Horas depois, Bolsonaro mudou o tom e admitiu que a intenção de rever a demarcação da área esbarrava na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) há mais de dez anos, em um processo que já havia transitado em julgado.
“O direito pleno à nossa terra ancestral é justamente para permitir que possamos viver do nosso jeito e construir um futuro baseado nas nossas visões de progresso e bem-estar”, afirma o dossiê preparado pelos indígenas. O documento traz informações como a extensão da área (de 1.747.646 hectares), o censo populacional da região (em 2018, foram registrados 25.636 indígenas distribuídos, em 209 comunidades ao longo do território) e o histórico da região desde sua demarcação, em 1998.
O documento também detalha ações como o plano de gestão territorial e monitoramento, vigilância e capacitação em direitos indígenas, a autonomia sustentável (por meio de produção agropecuária). Trata, ainda, do centro indígena de formação, para atender às demandas de educação, e os projetos de manejo sustentável e medicina tradicional.
Os dados apresentados no dossiê, como as mais de 50 mil cabeças de gado e as imagens de feiras de agricultura familiar indígena, na verdade reforçam a importância da homologação das terras indígenas, na visão das etnias representadas, nos termos em vigor pela decisão do Supremo. O documento será entregue pessoalmente por uma comitiva de seis líderes indígenas a representantes do Congresso, servidores de órgãos do governo como Advocacia Geral da União (AGU) e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
“A demarcação integral da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é um exemplo importante de reconhecimento pleno dos direitos dos povos indígenas no Brasil”, defende o documento.
Em entrevista ao Blog do Matheus Leitão, Abílio Moreira, representante da Raposa Serra do Sol, afirma que a demarcação da terra indígena representa “vida” para eles. “A demarcação para a gente foi excelente porque nos trouxe paz, liberdade. Abre mais a visão da comunidade. Hoje nós não precisamos mais passar ‘escondidos’ nas terras. Hoje passamos tranquilos porque nos sentimos donos daquela terra, daquele lugar. A demarcação é vida”, afirma.
Segundo ele, a demarcação resume avanços e conquistas construídos ao longo do tempo. Abílio explica que, depois da terra homologada, houve avanços nas áreas de educação e desenvolvimento sustentável, além de maiores oportunidades de participação na política. “Estamos conseguindo participar da política partidária. Temos deputado federal, temos vereadores”, diz. “A Constituição garante que nós também somos cidadãos brasileiros. Quando ele [Bolsonaro] cita que a demarcação é exploração e mineração, nos desrespeita e desrespeita à Constituição.”
O governo prepara um projeto de lei para regulamentar o aproveitamento de recursos hídricos, potenciais energéticos, pesquisa e lavra das riquezas minerais em terras indígenas. O PL deverá ser apresentado ainda neste ano à Câmara e ao Senado. A previsão é que isso aconteça até o fim do mês. Um grupo formado por integrantes da Presidência, do Gabinete de Segurança Institucional, da Casa Civil e dos ministérios do Meio Ambiente, Minas e Energia e da Justiça, além da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Polícia Federal, foi criado para agilizar os termos e a confecção do projeto.
Além de Abílio, a comitiva dos indígenas de Roraima é formada por Marizete de Souza, que também representa a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Os dois estão acompanhados por Fábio Gomes Aturaiu, Raildo Sapara Torreas, Cícero João Peres Wapichana e Edinho Batista, vice coordenador do Conselho Indígena de Roraima.
Conforme descrito no dossiê, ao todo foram capacitados 110 indígenas da região para atuarem como agentes territoriais e ambientais. Eles recebem formação continuada nas áreas de meio ambiente, monitoramento e proteção do território, soberania alimentar e alimentação alternativa. Também são instruídos sobre a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI), manejo de resíduos sólidos e rejeitos, cuidados com a fauna, flora e exercício da cidadania.
Com informações do Blog do Matheus Leitão (G1)
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