OS AUTORES das comunicações oficiais do Exército brasileiro estão proibidos de usar as expressões “isolamento social” e “distanciamento social”. Em um documento interno entregue por uma fonte anônima ao Intercept, o Centro de Comunicação Social do Exército explica que a supressão dos termos evitaria uma “dissonância indesejável em termos de interpretação”.
No documento, datado de 22 de abril, o CCOMSEx, como é conhecido o órgão, recomenda que no lugar de “isolamento” e “distanciamento social” sejam utilizadas expressões genéricas como “medidas sanitárias preventivas” ou similares. A ordem vale para todas as organizações militares.
‘Para evitar dissonâncias’, corporação recomenda que subordinados sequer mencionem isolamento e distanciamento.
A orientação está sendo seguida. Uma nota publicada no dia 13 de maio no site oficial do Exército sobre apresentações musicais do Comando Conjunto Nordeste obedece a diretriz: “com as medidas sanitárias de prevenção ao coronavírus sendo aplicadas em todo o Estado de Pernambuco, a falta de convívio social pode tornar os dias ainda mais difíceis”. Outra nota, sobre a passagem para a reserva de dois oficiais, explica que a cerimônia “contou com um efetivo mínimo para manter as medidas sanitárias de prevenção à covid-19″.
O documento revela um alinhamento entre Exército e Bolsonaro sobre a covid-19. Em 24 de março, esse entendimento parecia distante. O general Edson Leal Pujol, comandante da força, publicou um vídeo dirigido basicamente à “família verde-oliva” em que disse que o combate ao novo coronavírus “talvez seja a missão mais importante de nossa geração”. “O momento exige união, organização e especial cuidado com nossa saúde e a daqueles que nos cercam”, advertiu Pujol.
Minutos depois, Bolsonaro fez em rede nacional o seu pronunciamento sobre a covid-19 mais descolado da realidade. Foi quando disse, entre outras coisas, que se contraísse o coronavírus teria “no máximo uma gripezinha, um resfriadinho” por ter “histórico de atleta”.
No começo de abril, o Exército publicou um documento chamado “Crise Covid-19: Estratégias de Transição para Retorno à Normalidade”, em que destacava o papel da ciência e da Organização Mundial da Saúde e defendia a quarentena horizontal como forma de mitigar a pandemia, contrariando o posicionamento do governo federal.
O documento também reforçava a relevância do papel do estado para mitigar a crise e afirmava que os resultados dos testes da cloroquina no combate à covid-19 eram “incipientes”. Mas teve vida curta: foi apagado em 6 de abril, quatro dias depois da publicação.
As diretrizes às quais o Intercept teve acesso datam de 22 de abril, cinco dias após a posse do ministro da Saúde Nelson Teich, que substituiu Luiz Henrique Mandetta após discordâncias com Bolsonaro justamente sobre o isolamento social. Naquele dia aconteceu a reunião ministerial cujo vídeo foi divulgado na semana passada. Dois dias antes, Bolsonaro havia soltado a infame resposta “não sou coveiro” ao ser questionado por um jornalista sobre o número de mortos pela doença, que naquele dia chegara aos 2,9 mil, e continuava advogando pelo afrouxamento do isolamento social.
O comunicado do Exército é assinado pelo usuário “monteirodebarros”, possivelmente o capitão Marcus de Andrade Monteiro de Barros, responsável pela comunicação e marketing da corporação.
No dia 30 de abril, o coronel Valdenir Santos da Silva, chefe do Escalão de Saúde da 1ª Região Militar, encaminhou “por ordem do comandante” as diretrizes a vários órgãos no Rio de Janeiro, como laboratórios e hospitais militares.
Diretrizes Exército
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Perguntei ao Exército sobre o documento. A corporação afirmou que “não se tratam de diretrizes, mas de uma orientação na rede do canal técnico de Comunicação Social”. O objetivo foi “evitar o emprego de termos que demandem exata definição técnica, substituindo por outro entendimento generalizado em toda a vasta rede de agências”. Para o Exército, aparentemente, “medidas sanitárias de prevenção” é uma expressão mais fácil de entender que “isolamento social”.
Na nota, o Exército também afirmou que empregou 21 mil militares e civis ações contra a doença, como controle de fronteiras, apoio logístico, transporte de materiais e kits, desinfecção e apoio a órgãos de saúde, campanhas de vacinação e doação de sangue, além da produção de cloroquina. Não houve menção ao isolamento social.