NO DIA 7 DE FEVEREIRO, uma sexta-feira, o cantor goiano Amado Batista se apresentou no Carranca Grande Hotel, em Xique-Xique, município da Bahia, às margens do Rio São Francisco. No dia seguinte, ele fez mais um show no interior baiano, no Espaço Las Roças Club, em Filadélfia. Representantes dos dois espaços confirmaram as apresentações, mas não deram detalhes de lotação e valor dos ingressos. Ambos constavam na agenda de Batista, divulgada em sua página oficial. Semana que vem, aliás, tem show em São Paulo. Mas, mesmo com a agenda pública deixando clara a localização do cantor semana a semana, o Ibama e a Justiça do Mato Grosso não conseguem citá-lo nos processos judiciais e administrativos que responde por desmatamento ilegal.
Amado Rodrigues Batista está entre as pouco mais de 4.600 pessoas físicas e jurídicas que receberam multas milionárias por desmatamento do Ibama nos últimos 25 anos. Único cantor conhecido a fazer parte da lista de autuações milionárias por devastação, Batista guarda algumas semelhanças com outros mega multados pelo Ibama. A mais notável é a dificuldade de ser citado para responder pelas infrações: centenas deles só foram notificados por editais, publicados no Diário Oficial, depois de vencidas as outras formas de comunicá-los sobre os procedimentos e prazos de defesa. Com o julgamento à revelia, quando o réu não está presente, eles ganham tempo em busca de uma prescrição e criam argumentos para adiar alguma decisão da justiça ou recorrer dela. Não por acaso, apenas 3,3% das multas ambientais foram pagas desde 1980.
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Amado Batista recebeu uma multa de R$ 1,24 milhão por desmatamento em sua fazenda em Cocalinho, na divisa do Mato Grosso com Goiás, em 2014. O município, na região do rio Araguaia, tem um dos maiores índices de desmatamento no estado, diretamente relacionado à pecuária.
A Fazenda Sol Vermelho, dedicada à engorda de bezerros, já havia sido alvo de uma ação criminal da Promotoria do Meio Ambiente do Ministério Público do Mato Grosso por “grave dano ambiental provocado nas áreas de preservação permanente e de reserva legal”. Segundo o advogado Maurício Vieira de Carvalho Filho, que representa o cantor, a fazenda Sol Vermelho “está de acordo com as normas legais, e devidamente autorizada a promover a exploração da agropecuária”. O termo de infração, diz, refere-se apenas “a menos de 1% (um por cento) da área total da propriedade”.
O advogado afirma que tal área está preservada e que a autuação se deve a uma “falha técnica” na licença ambiental. “A multa será paga, aguardando apenas a decisão e deliberação do órgão competente”, afirma. No processo, a justiça também teve dificuldades em citar o cantor, mesmo encaminhando a intimação para o cumprimento pelos oficiais de justiça de Goiás, estado onde mora o cantor.
A última movimentação que consta no Ibama sobre a mega multa é que ele foi “notificado via edital para alegações finais”. Ou seja: os órgãos responsáveis por cobrar a multa sequer conseguem encontrá-lo para avisá-lo sobre a infração.
Eu sei que o sol vermelho vem trazer pra mim algum recado
O “Sol Vermelho” que dá nome à propriedade vem da canção-título do álbum lançado por Batista em 1982. É ainda o nome de um filme do mesmo ano, com pretensões autobiográficas, em que ele faz o papel de si mesmo. A produção é um caça-níquel produzido pelo cantor e dirigido por Antonio Meliande, figura de filmografia extensa e variada da Boca do Lixo paulistana. Na época em que foi filmado eram comuns filmes que pegavam carona no público de artistas populares. “Eu sei que o sol vermelho vem trazer pra mim algum recado das coisas que eu deixei ficar adormecidas no passado”, diz a letra da música.
A fatídica fazenda coleciona controvérsia. Em 2003, a Polícia Militar apreendeu 464 cabeças de gado pertencentes à dupla Zezé di Camargo e Luciano sob a suspeita de sonegação fiscal. Os animais estavam sendo vendidos a Batista. Carvalho diz que desconhece qualquer tipo de relação com o gado apreendido. “Não participamos, ou temos conhecimento disso, e a questão de apreensão de gado há quase 16 anos deve ser questionada aos proprietários da época”.
‘Referência de artista brasileiro’.
Em 2010, três anos após a Assembleia Legislativa do Mato Grosso conceder ao cantor o título de cidadão mato-grossense, a Sol Vermelho já tinha mais de 10 mil cabeças. Quatro anos depois, Batista obteve do governo estadual a aprovação de um financiamento rural para a aquisição de mais mil matrizes de gado para sua propriedade.
Em 2016, um funcionário da propriedade morreu em um acidente de trabalho, quando colocava cercas. O Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região condenou Batista a indenizar a família da vítima em R$ 60 mil, por entender que ele não ofereceu os equipamentos de segurança, os materiais nas especificações corretas nem o treinamento adequado ao trabalhador.
Auditores fiscais do Trabalho já haviam encontrado irregularidades na propriedade em 2011, como problemas de alojamento, falta de equipamentos de segurança e trabalhadores sem registro. Mas o Ministério Público do Trabalho arquivou o procedimento depois da apresentação de documentos que comprovariam a solução das irregularidades. O advogado garante que o cantor “segue todas as normas do Ministério do Trabalho, e a mesma é constantemente fiscalizada por todos os órgãos competentes”.
Amado Batista ainda responde na justiça estadual do Mato Grosso por um crime ambiental por desmatamento cometido no município de Água Boa, no Vale do Araguaia. O processo teve início em 2018 e a última movimentação registrada é de janeiro de 2020. A autuação é na mesma fazenda que as multas de Cocalinho. A propriedade fica na região dos dois municípios.
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