O MINISTÉRIO DA CIDADANIA do governo Bolsonaro escolheu a dedo quem irá realizar dois estudos nacionais sobre o uso de drogas. Desde o final de 2016, a pesquisa mais recente sobre o tema é escondida pelas gestões de Michel Temer e seu sucessor.
O levantamento da Fiocruz, publicado com exclusividade pelo Intercept em abril, contrariou a narrativa do governo de que há uma “epidemia de drogas” no Brasil. Insatisfeito com o resultado da última encomenda, dessa vez o ministério tomou uma precaução: vai repassar sem edital R$ 11,9 milhões a um grupo de pesquisa alinhado ao governo.
A verba vai ficar com a Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas, vinculada à Unifesp, que deverá fazer dois estudos: analisar o uso de drogas no país e o consumo de crack em três capitais. O repasse, oficializado no Diário Oficial da União em 20 de dezembro, chamou atenção. Apesar de o governo poder transferir verbas diretamente para centros de pesquisa, nos anos anteriores essas transferências haviam sido feitas por meio de editais – como ocorreu com os R$ 7 milhões pagos pelo estudo engavetado da Fiocruz.
Dados são usados com frequência para sustentar narrativas políticas, e a escolha aparentemente arbitrária é prova de como isso vem acontecendo no campo de drogas. Como há poucos levantamentos nacionais sobre o uso de substâncias – desde os anos 2000, somente dois estudos oficiais foram publicados – cada dado lançado vira munição nessas disputas políticas.
De um lado, há quem defenda a Nova Lei de Drogas, que facilita a internação involuntária de usuários e o financiamento do governo para centros de reabilitação religiosos – caso do governo Bolsonaro. Do outro, quem questione a eficácia das terapias baseadas em isolamento e critique a política de guerra às drogas do governo, defendendo a descriminalização e penas mais brandas. No meio dos embates, os estudos servem de argumento e justificativa para políticas.
Grupo de pesquisa de estimação
O diretor da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas, a Uniad, é um conhecido defensor da internação compulsória, das comunidades terapêuticas e da existência de uma epidemia de drogas: Ronaldo Laranjeira. Psiquiatra e dono de uma clínica para recuperação de “casos complexos em dependência química”, ele passou os últimos anos coordenando o Recomeço, programa do governo estadual de São Paulo dedicado ao tratamento de usuários de drogas.
Laranjeira coordenou o programa estadual durante o governo de Geraldo Alckmin, até 2018. O Recomeço oferece a usuários de drogas atendimento psicossocial e internação em hospitais psiquiátricos e em comunidades terapêuticas – como na Santa Carlota, clínica que foi criada sob a supervisão de Laranjeira para receber pessoas retiradas da cracolândia. Ao mesmo tempo, o psiquiatra presidia a Sociedade Paulista para o Desenvolvimento de Medicina, a SPDM, uma das organizações contratadas pelo programa que ele mesmo gerenciava. A SPDM acabou tendo seus contratos suspensos pelo Ministério Público devido ao claro conflito de interesses de seu presidente.
Entre 2016 e 2017, Laranjeira trabalhou com um psiquiatra que, no futuro, aproximaria suas relações com o governo federal. Quirino Cordeiro Júnior, atual secretário nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, geriu com Laranjeira o Hospital Psiquiátrico Cantareira e foi seu parceiro de pesquisas no Instituto Bairral de Psiquiatria, de que faz parte a Comunidade Terapêutica Santa Carlota.
Nenhum comentário:
Postar um comentário