quarta-feira, 17 de julho de 2019

Flávio Dino: A pior corrupção é a da desigualdade social


The Intercept Brasil publicou nesta quarta-feira (17) entrevista com o governador Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, em que ele defende “união ampla” para enfrentar o autoritarismo de Jair Bolsonaro. Dino também falou sobre o combate à corrupção, bandeira que a esquerda sempre levantou, segundo ele. Mas destaca “nada corrompe mais o Brasil do que a desigualdade, a concentração de renda, poder e conhecimento nas mãos de poucas pessoas”.

 
Exercendo o segundo mandando como governador do estado com o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, Flávio Dino aumentou o investimento estatal em segurança e educação e aumentou o piso salarial dos professores para R$ 5.750 – é mais do que o dobro do valor pago em São Paulo, estado mais rico do Brasil. Na contramão da crise econômica, o Maranhão também teve um crescimento do PIB de 9,7% em 2017 e, no ano passado, de 2,8% – acima da média nacional. Em 2018, Dino foi reeleito no primeiro turno com 59% dos votos válidos – mais ou menos o mesmo índice de aprovação de seu governo naquele ano.

Por causa da rápida ascensão e a capacidade de articular apoio – em 2018 sua coalizão juntou nada menos do que PCdoB, PDT, PRB, PPS, PTB, DEM, PP, PR, PTC, PPL, PROS, AVANTE, PEN, PT, PSB e Solidariedade – há quem especule que Dino estaria de olho na disputa presidencial de 2022. O próprio Lula o aponta como liderança importante na esquerda. Mas ele desconversa: “Estamos muito longe deste momento”, ele me disse.

A entrevista foi concedida ao repórter Rafael Moro Martins na sala de reuniões do Palácio dos Leões, no centro histórico de São Luís, sede do governo estadual. Embora a conversa tenha ocorrido dias antes das primeiras reportagens da série Vaza Jato, o governador e ex-juiz federal criticou duramente a atuação de Sergio Moro que, assim como ele, trocou a magistratura pela política. Dino foi juiz federal no Maranhão por 12 anos e chegou a presidir a Associação dos Juízes Federais do Brasil, a Ajufe, entre 2000 e 2002. Abriu mão da toga para se filiar ao PCdoB, em 2006, mesmo ano em que se elegeu deputado federal.

Para o governador e ex-juiz, a operação Lava Jato se transformou em instrumento de luta política, responsável por danos econômicos – no caso da Petrobras – e prisões injustas, como a de Lula. Ele crê que a legitimidade da atuação de Moro, que já era frágil, foi jogada por terra no momento em que ele aceitou ser ministro de Bolsonaro. “Tão absurdo que jamais esperava que isso fosse acontecer”, ele me disse. Mas Dino não considera a operação “totalmente errada. “Acho até que a maioria das sentenças da Lava Jato eu assinaria.”

Leia, a seguir, a entrevista.

The Intercept – O senhor tem dito que a esquerda perdeu a batalha política da classe média, que por sua vez aceitou a pauta da corrupção como a fonte de todas as tragédias sociais e políticas brasileiras. Qual a saída para isso?

Flavio Dino – A corrupção de fato é um tema essencial, não há dúvida, portanto superá-la é importante para o Brasil. Porém, temos que fazer isso com autenticidade, com seriedade. Por isso mesmo, a corrupção não pode ser utilizada como arma de luta política e nem pode ser reduzida a determinados aspectos da vida brasileira, uma vez que as corrupções são variadas e a principal delas acabou sendo ocultada nos últimos anos, que é a corrupção da desigualdade social.

Nada corrompe mais o Brasil do que a desigualdade, a concentração de renda, poder e conhecimento nas mãos de poucas pessoas. Então, a esquerda não deve fugir do tema da corrupção. Esse tema é nosso, na verdade. Nós não podemos permitir que esse tema seja apropriado e ao mesmo tempo manipulado para ocultar outros problemas da sociedade brasileira. A principal saída é nós retomarmos essa bandeira, que nos pertence, na medida em que somos nós que defendemos a justiça social, que os recursos públicos sejam aplicados em favor da maioria do povo.

Em 2018, assistimos ao ex-presidente Lula tentando sustentar uma candidatura que todo o mundo político sabia ser inviável por causa da Lei da Ficha Limpa. Enquanto isso, o PT tratou de ceifar apoios do outro candidato de esquerda, Ciro Gomes – em Pernambuco, ao custo da candidatura de Marília Arraes em troca da adesão do PSB. Lula errou na estratégia?

Acho que ele fez a estratégia adequada num momento de grande ofensiva sobre ele. Acho que é inexigível e chega a ser, eu diria, quase que desumano imaginar que uma pessoa sob o cerco que ele sofreu pudesse ter adotado outras atitudes que não a defesa da idoneidade e da seriedade, denunciando as perseguições que sofreu. Considero que [Lula] sustentou a candidatura até o limite, até o mês de setembro, com a visão de que se mantendo no jogo político ele manteria a voz e a tribuna para se defender. Portanto, eu diria que foi o exercício de um direito, que tinha que ser respeitado.

Eu próprio, no primeiro semestre de 2018, cheguei a dar uma entrevista defendendo a união ampla de todos em torno do Ciro Gomes. Mas, quando logo em seguida o ex-presidente Lula declarou que manteria sua candidatura, naquelas condições a meu ver para conseguir defender sua história e sua biografia, eu respeitei, tanto que o nosso partido manteve desde então um alinhamento à perspectiva de nos coligamos à chapa de Lula presidente e Haddad vice. [Com] O ex-presidente Lula cercado, atacado, perseguido e vilipendiado, [eu] considerava que essa é uma estratégia de defesa justa. Nós somos solidários e, portanto, hoje não faço nenhuma crítica a essa atitude, acho que ela é compreensível e que atacar o presidente Lula hoje atrapalha o caminho da esquerda. É claro que ele, como qualquer ator político, qualquer ser humano, cometeu, comete e cometerá erros, mas não ao ponto de colocá-lo como culpado do resultado eleitoral. Isso realmente é uma imensa injustiça, e algo que dificulta a unidade futura.



Acredita que Lula teria sido eleito?

Eu tenho certeza de que seria. Isso torna ainda mais repugnante o fato de ele ter sofrido uma condenação política, apartada de qualquer técnica jurídica, exatamente com o objetivo de torná lo inelegível. É um dano irreparável o que foi imposto a ele. E, na minha visão, claro, à sociedade brasileira.

É consenso entre analistas que Lula é muito maior que o PT, por sua vez o maior partido de esquerda do Brasil. A esquerda brasileira é refém dele? Lula se tornou algo como Vargas, como Perón?

Ao longo da história, as grandes transformações foram conduzidas por sujeitos coletivos mais representados por líderes. Um autor marxista russo chamado Plekhanov que tem um livro, do qual gosto muito, chamado “O papel do indivíduo na História“. Ele ressalta exatamente isso. Olha, os marxistas olham [para] muitos processos objetivos, mas a gente não pode esquecer que quem materializa, corporifica os processos objetivos são pessoas. Nesse caso, pessoas que têm determinados atributos que o Lula tem, que o Getúlio tinha, que outros têm. Então, o fato de existirem grandes líderes de massas não é algo ruim, datado ou tampouco brasileiro. É normal e é bom que exista um líder com a extensão, a densidade, a profundidade do presidente Lula. Eu acho que, se nós olharmos no longo arco da história, daqui a 30, 40, 50 anos, vai ser reconhecido ainda mais que esse grande líder histórico do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, tem muito mais virtudes que defeitos e muito mais ajudou o Brasil do que eventualmente tenha cometido equívocos. Você mencionou o Getúlio Vargas, ele cometeu gravíssimos erros. Mas, se você faz um julgamento histórico, no período em que ele exerceu uma liderança o Brasil avançou em conquistas econômicas e sociais. Então, não acho negativo que haja essa força da liderança do presidente Lula, que vai continuar a existir nos próximos anos. Ele vai continuar a ser o principal líder político do Brasil nos próximos anos.

Em entrevista recente ao Intercept, Lula atribuiu a ascensão mundial da direita ao “fracasso do neoliberalismo”. É tão simples assim?

O capitalismo vive de fato uma crise, desde a crise mundial de 2008, e por isso certos parâmetros institucionais que dirigiram o mundo no pós-guerra, sobretudo os do chamado welfare state, que já haviam sido parcialmente atingidos nos anos 1980 e 1990 com a hegemonia do pensamento neoliberal, foram mais agudamente atingidos, com algumas marcas novas, sobretudo um desemprego aparentemente estrutural e infelizmente muito duradouro. Ou seja, tivemos a agudização da crise social nos países capitalistas, de modo geral. Nós aprendemos com a história que numa época de medos e de ódios o pensamento político da direita encontra terreno fértil para crescer. Não é à toa que nós tenhamos visto a ascensão do nazi-fascismo exatamente nos anos 1920 e 1930, cujo marco simbólico é a crise de 1929. Mas, se você olhar, a primeira guerra imperialista, a Primeira Guerra Mundial, já era sinal de crise de um modelo do colonialismo do século 19. O trânsito da humanidade da Primeira à Segunda Guerra, com crise econômica profunda, desemprego, hiperinflação e desilusão nas instituições democráticas acabou conduzindo a caminhos autoritários, sobretudo a ascensão de Mussolini na Itália e de Hitler na Alemanha. Então, é uma conjuntura bastante parecida nesse sentido, uma grande crise econômica cujo marco é 2008, uma crise social muito profunda, e isso abre espaço para que haja uma desinstitucionalização da política derivada de medo, de ódios, em que se busca uma saída aparentemente mais eficaz. Infelizmente, são momentos como nesse aqui que perspectivas autoritárias encontram um terreno fértil para se consolidar, como vimos inclusive no caso brasileiro.

Voltaremos a falar sobre a ascensão da direita, mas ainda sobre economia: está correto dizer que a política econômica de Lula, ao menos até 2008, seguiu a mesma cartilha da de Fernando Henrique Cardoso?

Estamos falando de uma grande economia capitalista do mundo, que tem constituição e leis que têm que ser cumpridas. Então, é óbvio que havia muita continuidade, dado esse marco institucional que tem que ser respeitado. Mas havia uma diferença de ênfase principal, que era o papel do mercado interno. Havia uma preocupação especial, que não havia nos anos Fernando Henrique, com o mercado interno de massas, um mercado que sustentasse o dinamismo econômico. Isso desde 2003, quando você lembra, por exemplo, da extensão das políticas de microcrédito, e mesmo políticas sociais compensatórias, como o Bolsa Família, a política de crescimento do valor real do salário-mínimo. Todas tinham essa amarração estratégica de crescimento do mercado interno. Isso era substancialmente diferente do que se tinha antes e também do que se tem hoje. Então, realmente não concordo com essa crítica de que era mais do mesmo.

No Sul e no Sudeste, é comum ouvir que o eleitor nordestino vota no PT “porque foi comprado pelo Bolsa Família”. O que o senhor, que governa um dos estados mais pobres e socialmente problemáticos do país, responderia a quem diz isso?

Primeiro, que obviamente isso é um preconceito condenável. E, se você reconhece que o eleitorado do Nordeste vota no PT ou na esquerda em reconhecimento a políticas sociais, a conquistas como o Bolsa Família, isso longe de ser errado é profundamente certo. Significa, portanto, não uma prova de ignorância, e, sim, uma prova de inteligência. Não uma prova de que não sabe votar, mas de que sabe, porque sabe distinguir onde está seu interesse, sua perspectiva e seu projeto. Graças a Deus, isso se materializou em mais uma eleição. Se pega as mil cidades mais pobres do Brasil, praticamente cem por cento deram a vitória [em 2018] para o Haddad. Então, é um prova de sabedoria.

Acha que foram as políticas sociais que fizeram com que o Nordeste e as cidades mais pobres majoritariamente seguissem fiéis ao PT em 2018?

Políticas que beneficiavam o Nordeste, de um modo geral, beneficiavam os mais pobres do Brasil. Quando se fala de política social, se pensa muito nas políticas compensatórias. Eu falaria em visão social. Porque houve também conquistas econômicas e de investimentos públicos e privados em infraestrutura, a transposição do São Francisco, por exemplo, obras do PAC. É um conjunto de coisas. Então, a visão social, de combate às desigualdades regionais e sociais é que determinou esse resultado.

Voltando para a política: o ex-presidente Lula colocou o senhor como uma das novas lideranças da esquerda brasileira. Pretende ser candidato a presidente em 2022?

Na verdade, em primeiro lugar, estamos muito longe deste momento. Em segundo lugar, [a candidatura presidencial] não é algo que possa ser construído individualmente, pelo contrário. Em terceiro lugar, acho que nós temos que buscar a união, a unidade. Esse é o critério de ação, destensionar o ambiente da esquerda, superar todos os impasses e com isso botar todo mundo na mesa para resistir ao governo Bolsonaro, fazer lutas sociais e ganhar as eleições municipais de 2020 no maior número possível de capitais e grandes cidades. Então, esse é o meu foco. Se eu me coloco hoje como pré-candidato a presidente, eu estou negando o que eu considero principal, porque se você senta à mesa dizendo que você é candidato a isso ou aquilo, obviamente você não está aceitando a hipótese de transigir. Eu acho que a gente precisa hoje desse tipo de união.



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