Direcionamento do próprio YouTube

Em ofício enviado à CPI, o Ministério da Saúde se esquivou sobre o pagamento aos youtubers negacionistas. Afirmou que, “apesar de ter havido veiculações” nos canais em questão, “a contratação desse tipo de mídia é feita mediante filtro para atingir determinado público da campanha”.

Despacho ASCOM2 pages

A pasta negou aos senadores que tenha pedido que as campanhas fossem exibidas “num ou noutro canal especificamente”, mas que elas foram “programadas para impactar usuários da plataforma que se enquadram na segmentação aplicada e que eventualmente consumiram conteúdos ali disponibilizados”.

No sistema de anúncios da rede, os anunciantes fazem a segmentação do público, e o próprio YouTube escolhe quais vídeos e canais vão exibir o conteúdo, com base no perfil da audiência. No caso dos anúncios do governo, a segmentação foi ampla: de acordo com idade e localização. Não há segmentação ideológica, por exemplo. Isso significa que foi o próprio Google que direcionou a verba para os vídeos negacionistas.

Nós já mostramos que, apesar de o YouTube ter afirmado que mudou as regras para monetização de vídeos relacionados à covid-19 para tentar coibir a desinformação, notórios espalhadores de mentiras passaram a pandemia publicando e faturando sem muito incômodo.

Para otimizar os anúncios, remunerados por clique, o YouTube os exibe nos conteúdos cujo público tem potencial maior de ser impactado por eles. Segundo a plataforma, os anunciantes podem escolher vetar determinados canais de exibirem seus anúncios. O governo Bolsonaro, que tem o poder de vetar anúncios para determinados canais (como todos os anunciantes do YouTube), preferiu, é claro, continuar remunerando seu exército de influenciadores.

Envolvimento do gabinete do ódio

O pedido sobre a relação de valores pagos a disseminadores do ineficaz tratamento precoce foi feito pelo senador Randolfe Rodrigues, da Rede do Amapá, ao Ministério da Saúde e à Secom, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República. Ele se baseou em uma lista de 34 canais bolsonaristas que publicaram 385 vídeos sobre o falso tratamento precoce. Quando a investigação teve início, os youtubers começaram a apagar os conteúdos.

Os dados mostram que foram direcionados a eles R$ 44,2 mil para veicular as campanhas Coronavírus 2020, Febre Amarela, Prevenção à Gravidez na Adolescência, Prevenção Permanente às ISTs, Sarampo e Influenza.

Quase todo o valor, R$ 42 mil, foi repassado por meio da Calia Y2 Propaganda, que tem contrato para publicidade institucional do governo federal. A empresa recebeu R$ 23 milhões para veicular campanhas de tratamento precoce. É dela, por exemplo, a campanha que contratou influenciadores digitais por R$ 23 mil para difundir o “atendimento precoce”, revelado pela Agência Pública.

A campanha, com um jogo de palavras, trocou o “tratamento” por “atendimento”. Mas vendia a mesma ideia defendida por Bolsonaro, de que o suposto tratamento no início dos sintomas com cloroquina, ivermectina e outros medicamentos do chamado “kit covid” poderia salvar os pacientes – o que é mentira. Por causa disso, a campanha foi suspensa pela justiça.

O tratamento precoce é comprovadamente ineficaz contra coronavírus, mas segue sendo defendido pelo presidente e sua base de negacionistas na CPI da Pandemia.

Na semana passada, a CPI aprovou um requerimento para quebrar os sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático da Calia e de outras empresas que também têm contratos de publicidade com o governo. São elas: a PPR – Profissionais de Publicidade Reunidos e a Artplan. Elas recorreram ao STF para derrubar a decisão.

Uma das linhas de investigação da CPI da Pandemia busca esclarecer a relação entre a veiculação e propagação do tratamento precoce com o chamado gabinete do ódio, ligado ao filho de Jair, o vereador pelo Republicanos carioca Carlos Bolsonaro, investigado pela Polícia Federal.

Na semana passada, o presidente da CPI, senador Omar Aziz, do PSD do Amazonas, solicitou ao ministro Alexandre de Moraes um delegado da Polícia Federal para ajudar no trabalho dos senadores.

Correção: 16 de junho, 13h12
Uma versão anterior deste texto afirmava que o canal Foco do Brasil havia recebido ao menos R$ 9,5 mil de verba pública. A informação foi corrigida, visto que a quantia correta é de ao menos R$ 9,3 mil.